O DISCURSO DO REI: GEORGE VI, O MONARCA GAGO DA INGLATERRA E PAI DE ELIZABETH II
Ele nem era o próximo na linha de sucessão, mas acabou tendo que enfrentar o medo de falar em público e assumir o peso da coroa inglesa
VANESSA CENTAMORI PUBLICADO EM 25/04/2020
O príncipe Albert Frederick Arthur George era tímido e perfeitamente satisfeito por não ser o próximo herdeiro do trono. Falar em público não era o seu ponto forte - ele sofria de gagueira e tinha grande dificuldade em falar palavras iniciadas com "k" - entre elas, justamente "king" ("rei", em inglês).
Entre os nobres ingleses, ter gagueira era o mesmo que uma “falha de caráter”. Mas, visto que o peso da coroa seria um fardo que cairia nas mãos de seu irmão mais velho, Edward VIII, estava tudo tranquilo para Albert. Ele tinha apenas que suportar as ordens disciplinadoras do pai, o rei George V, durante sua infância restrita, na década de 1890.
Insegurança.
Naturalmente, os filhos do soberano tinham que obedecê-lo. Conforme argumentado pela biógrafa Anne Sebba, da série The Windsors, e reportado pela CNN, o monarca fazia com que seus filhos fossem “punidos por algo tão leve quanto usar o traje errado com a jaqueta errada".
Enquanto o príncipe Albert lutava com a gagueira, seu irmão Edward era conhecido por saber falar bem em frente à opinião pública. Aos 14 anos, o menino gago tentava melhorar essa questão. Estudou na Royal Naval College, Osborne, como cadete naval.
Quando o avô do príncipe, Edward VII, morreu em 1910, o pai de Albert se tornou o rei George V. Em 1911, o rapaz chegou até suas provas finais na escola, mas, apesar disso, decidiu ir para o Royal Naval College, em Dartmouth.
Em 1920, o príncipe reencontrou uma velha amiga de infância, Elizabeth Angela Marguerite (a futura Elizabeth, a rainha mãe). Ficou apaixonado e determinado a se casar com ela, mas foi rejeitado duas vezes, em 1921 e 1922, pois, segundo os boatos, Elizabeth não quis mergulhar de vez em compromissos reais.
Após namorarem por muito tempo, finalmente se casaram em 26 de abril de 1923, na Abadia de Westminster. A primeira filha do casal foi a futura rainha Elizabeth II, nascida em abril de 1926. A princesa Margaret nasceu quatro anos depois.
O inimaginável acontece.
Dez anos depois, em 1936, o rei George V morre por conta de um forte resfriado. Curiosamente, segundo um boletim do líder médico Dawson de Pen, as últimas palavras do pai de Albert foram "Deus amaldiçoe você!". A frase foi dita pelo monarca, dirigindo-se à enfermeira, que deu-lhe um sedativo, na noite do dia 20 de Janeiro daquele ano.
Após o triste episódio, alguém tinha que assumir o trono. E, para a satisfação do príncipe gago, foi o irmão mais velho dele, Edward VIII, que reinou, conforme já era previsto. Porém, uma reviravolta e tanto ganhou vida.
O irmão do príncipe gago não governou a Inglaterra por mais do que um ano. Abdicou das funções reais para se casar com a socialite norte-americana, Wallis Simpson, que era uma mulher divorciada.
No lugar de Edward VIII, assumiu Albert, que tornou-se aquele que é até hoje conhecido como o rei George VI. O nome foi adotado em homenagem ao pai, enfatizando a linhagem dele na monarquia britânica.
De seção em seção.
A coroação de George VI na Abadia de Westminster ocorreu em 12 de maio de 1937. Durante o governo, o rei ainda lutou contra a dificuldade de fala. Sentiu grande constrangimento ao emitir mensagens oficiais como um soberano recém-empossado, mas teve enorme ajuda nesse processo.
Indo de consultório em consultório, só conseguiu sucesso na melhor emissão das palavras ao procurar os serviços do fonoaudiólogo Lionel Logue. O especialista, que o acompanhava há mais de uma década, inclusive, ajudou o rei em seu primeiro discurso oficial.
Em uma carta escrita a Lionel, em 17 de maio de 1937, enviada do Castelo de Windsor, o rei George VI agradece o profissional: “Mal podia esperar para lhe enviar algumas falas para agradecer novamente por seu trabalho duro para me ajudar a me preparar para o grande dia”, escreveu.
Relação com o nazismo.
Conforme crescia a chance de guerra, o rei acabou se vendo obrigado a apoiar o apaziguamento de Hitler pelo primeiro-ministro Neville Chamberlain. Em 1938, após a negociação do Acordo de Munique, quando o rei e a rainha Elizabeth cumprimentaram Chamberlain, eles o convidaram a aparecer na varanda do Palácio de Buckingham.
Essa demonstração pública de proximidade da monarquia com um político deu o que falar. A política de Chamberlain em relação a Hitler foi muito oposta na Câmara dos Comuns. Mais tarde, documentos liberados pela Casa de Windsor, mostraram ainda o apoio de George VI à decisão de barrar judeus que fugiram da Alemanha antes do início da guerra, em 1939. Os judeus tentavam emigrar para a Palestina ( dominada na época pela Inglaterra).
Tal relação aparece em uma carta escrita pelo rei ao seu Ministro das Relações Exteriores, Lord Halifax. “Estou contente que medidas nesse sentido estejam sendo tomadas para impedir que pessoas que abandonam seus países entrem em nossos territórios”, escreveu o rei.
Morte.
George VI morreu na manhã de 6 de fevereiro de 1952, quando foi encontrado sem vida na cama em Sandringham House, no condado inglês de Norfolk. O motivo do óbito foi trombose coronária. Assumiu o trono a filha do rei, a rainha Elizabeth II.
Em 28 de fevereiro de 1952, pouco mais de três semanas após a morte de George VI, sua viúva, a rainha mãe Elizabeth, escreveu a Lionel Logue, agradecendo-lhe, mais uma vez, por ter ajudado o marido com a gagueira. "Sei que talvez melhor do que ninguém o quanto você ajudou o rei, não apenas com o discurso dele, mas com toda a sua vida e perspectivas", escreveu ela.
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