terça-feira, 25 de junho de 2019

O Diário de Anne Frank: 72 anos da publicação de um dos mais impactantes relatos do Holocausto.

O DIÁRIO DE ANNE FRANK: 72 ANOS DA PUBLICAÇÃO DE UM DOS MAIS IMPACTANTES RELATOS DO HOLOCAUSTO

Neste dia, em 1947, o diário de uma garota judia era publicado pela primeira vez e entrou para História como uma das mais importantes obras sobre os horrores da Segunda Guerra
SIMON SEBAG MONTEFIORE PUBLICADO EM 25/06/2019
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- Reprodução
O diário de uma menina judia escondida durante a Segunda Guerra Mundial tornou-se um símbolo totêmico do Holocausto, um monumento aos 6 milhões de judeus mortos e um talismã para vítimas de perseguição em todo o mundo. Mas Anne Frank foi muito mais que um símbolo. A adolescente cuja recusa ser destruída pelo medo ou pelo desespero diante da mais tenebrosa perseguição é um triunfo da humanidade, a marca de uma alma verdadeiramente heroica.
Anne também tornou-se, apesar de tão jovem, uma formidável escritora: observou e anotou os terríveis acontecimentos do tempo sombrio em que viveu e da luta de sua família pela sobrevivência. O seu diário não foi o único a vir à tona, mas foi o melhor e mais bem escrito — um clássico imortal.
Na manhã de 6 de julho de 1942, Anne Frank, seus pais Otto e Edith e sua irmã mais velha, Margot, deixaram sua casa na Merwedplein, em Amsterdã. Vestindo muitas camadas de roupas e sem levar malas para não despertar suspeitas, encaminharam-se a pé o prédio de escritórios de Otto Frank, na rua Prinsengracht. No topo das escadas havia uma porta, mais tarde escondida atrás de uma falsa estante de livros. Ela levava ao que Anne chamou de anexo secreto — quatro cômodos onde os Frank, com outra família, os Van Pels, além de um dentista de nome Fritz Pfeffer, se esconderiam ao longo dos dois anos seguintes.
Os Frank eram judeus alemães que haviam emigrado para a Holanda uma década antes, após a ascensão de Hitler ao poder. Uma menina alegre e animada, ao completar treze anos, Anne ganhou de presente de aniversário um caderno encapado por um tecido de estampa xadrez vermelha e branca. Ela endereçou a sua primeira anotação “para Kitty”, e registrou: “espero poder confiar inteiramente em você, como jamais confiei em alguém até hoje, e espero que você venha ser um grande apoio e um grande conforto para mim”.
A ocupação alemã dos Países Baixos já durava dois anos quando Anne começou seu diário. Em 1942, os judeus foram submetidos a um toque de recolher e obrigados a usar estrelas amarelas costuradas visivelmente em suas roupas. Foram proibidos de pegar o bonde, andar de bicicleta ou tirar fotos. Em 5 de julho de 1942, Margot, de dezesseis anos, recebeu uma carta pedindo para que se apresentasse ao transporte que a levaria para um campo de trabalho. Às sete e meia da manhã seguinte, os Frank deixaram sua casa e rumaram para o esconderijo.
Os ocupantes do anexo prepararam-se para uma longa estadia. Os pais de Anne vinham fazendo viagens secretas ao esconderijo havia meses. Mas nada poderia tê-los preparado para a realidade opressiva de se apartar do mundo. A sobrevivência de todos eles dependia de seus “ajudantes”, quatro leais empregados de Otto Frank que arriscaram a vida para lhes trazer comida, roupas, livros e notícias. Durante o dia era preciso manter silêncio absoluto de modo a evitar que os funcionários da loja no andar de baixo desconfiassem de algo. “Temos de nos manter absolutamente quietos, feito estátuas. Quem haveria de pensar, três meses atrás, que a espoleta Anne teria que ficar sentada, sem falar, durante horas a fio — e, mais difícil ainda, que ela conseguiria?”, escreveu Anne em outubro de 1942.
Anne era uma escritora talentosa, engraçada e ágil, e tinha um olhar um tanto cáustico. Mas seu diário é também a obra de uma adolescente normal — inteligente, brilhante, impetuosa, temperamental, mal-humorada e impaciente. Lutava entre a “boa Anne” que ela gostaria de ser e a “Anne má” que ela sentia ser com mais frequência. Anne era perspicaz, incrivelmente honesta e, cada vez mais, sábia.
“Não há como matar o tempo”, Anne escreveu em 1943. Mas ela se recusou a abrir mão da esperança. “Realmente, é de se admirar que eu não tenha desistido de todos os meus ideias, porque parecem tão absurdos e impossíveis de serem realizados”, ela escreveu e, 15 de julho de 1944. “No entanto, eu os mantenho, porque apesar de tudo ainda acredito nas pessoas, no fundo, dão realmente boas”.
Três semanas depois, o anexo secreto foi invadido por um grupo da polícia alemã. Ainda é desconhecida a identidade do informante que os denunciou. Os habitantes do anexo foram transportados para o campo de concentração de Westerbok, e depois para Auschwitz. Em outubro, Anne e Margot foram transferidas para Bergen-Belsen. Morreram de tifo com poucos dias de diferença uma da outra em março de 1945, apenas algumas semanas antes de os britânicos libertarem o campo de concentração.
Otto Frank foi o único dos ocupantes do anexo que sobreviveu. Quando retornou a Amsterdã após a guerra, Miep Gies, uma de suas leais ajudantes, deu-lhe o diário e algumas anotações soltas que ela havia encontrado no esconderijo. Indagado mais tarde sobre sua reação à primeira leitura do diário de sua filha, Otto respondeu: “Eu nunca soube que minha pequena Anne era tão profunda”.
Enquanto estava escondida, Anne se convenceu de que queria ser escritora. Ela não foi a única criança judia a escrever um diário do Holocausto. Provavelmente houve muitas. Um talentoso garoto tcheco, Peter Ginz, manteve um espirituoso diário em Praga entre 1941 e 1942: “Quando fui para a escola, contei nove xerifes”, ele escreveu, referindo-se aos judeus que eram obrigados a usar a estrela amarela. Ginz morreu na câmara de gás em Auschwitz em 1944. Esses excepcionais autores de diários não foram os únicos a transformar o inferno em literatura: Noite, de Elie Wiesel (1928-2016), e É isto um homem?, de Primo Levi (1919-1987) são as duas obras-primas dessa idade das trevas europeia.
Um ano antes de morrer, Anne Frank escreveu sobre seu desejo de “ser útil ou dar prazer às pessoas ao meu redor que ainda não me conhece. Quero continuar a viver, mesmo depois de minha morte!”.

Reportagem retirada do Titãs da História, do autor Simon Sebag Montefiore. Editora Planeta do Brasil, (p. 533,534 e 535).

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