AS MISTERIOSAS CARTAS DE OLGA BENÁRIO E LUÍS CARLOS PRESTES — QUE FORAM ALVO DE POLÊMICAS NOS ÚLTIMOS ANOS
Documentos pertenciam ao acervo público do Rio de Janeiro, mas foram colocadas à leilão após serem encontradas por um catador de lixo
FABIO PREVIDELLI PUBLICADO EM 23/04/2020
Nascido em Porto Alegre em 1898, Luís Carlos Prestes foi um dos ícones da esquerda radical no Brasil. Filho mais velho de um pai militar, ficou órfão aos 10 anos, quando já residia no Rio de Janeiro.
Aliás, foi na própria capital federal da época que Prestes ficou preso de 1936 a 1945, após o fracasso da Intentona Comunista. Enquanto esteve em cárcere, o líder comunista recebeu — ao menos — 319 cartas.
Isso significa que, desde o dia de sua prisão (em 5 de março), até sua anistia (que foi concedida por um decreto-lei assinado por Getúlio, em 18 de abril de 1945), Prestes recebeu um escrito a cada dez dias. As correspondências, em suma, eram enviadas por sua esposa, Olga Benário Prestes; por familiares e amigos, e, posteriormente, recolhidas pela Polícia Política.
As polêmicas em volta das correspondências.
Na década de 1990, essas missivas foram encaminhadas ao Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, o Aperj, onde seriam guardadas e preservadas. No entanto, em 2018, o acervo foi colocado a leilão com o lance mínimo de 350 mil reais — o que gerou grande polêmica.
No mesmo ano, o jornalista Mário Magalhães, que escreveu a biografia do guerrilheiro comunista Carlos Marighella, viu o acervo pessoalmente. O escritor notou indícios de que as missivas pertenceram a um acervo público: afinal, elas continham marcas de carimbo, numerações e vistos de funcionários nos mesmos padrões utilizados pelo Aperj.
Uma dessas cartas, redigida em 14 de maio de 1940 de Olga para Prestes, foi reproduzida no terceiro volume do livro Anos Tormentosos - Luiz Carlos Prestes: Correspondência da Prisão (1936-1945), publicado em 2002, que foi organizado por Anita Leocádia Prestes (filha de Prestes) e Lygia Prestes (irmão do líder comunista).
A identificação de Magalhães se deu pelo trecho a seguir, em que Olga escreve: “Como eu poderia descrever pelo menos uma fração dos sentimentos e pensamentos que suas lindas palavras despertaram em mim?”.
Na época do leilão, Anita Leocádia, que é historiadora e foi professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, declarou ao O Globo que as cartas “ou seriam cópias ou as próprias originais” que foram guardadas no arquivo público do Rio. A grande pergunta que ficou na época foi: como um acervo pertencente a um arquivo público foi cair nas mãos de um leiloeiro?
Como as cartas chegaram à leilão?
O trajeto que o arquivo fez é incerto, mas segundo a reportagem do O Globo, as correspondências foram achadas por um catador de lixo em Copacabana. Conforme informou o trabalhador, elas estavam dentro de uma caixa jogada na rua.
Posteriormente, conjunto foi comprado por um vendedor de antiguidades da Praça 15, que arrematou as cartas por R$500. De acordo com esse comerciante, ele não se recorda do nome do catador e repassou esse material a outro negociante de antiguidades, mas a quantia dessa transação não foi revelada. Este segundo dono percebeu o valor dos documentos e resolveu levá-los à leilão.
A leiloeira Soraia Cals, responsável pela oferta das cartas ao público, disse ao jornalista que acredita que o material estava guardado e que, após a morte do dono dos documentos, seus familiares provavelmente jogaram o acervo no lixo.
Cals ainda disse que as cartas só seriam vendidas sob “reserva de direito”, ou seja, seriam leiloadas, mas só entregues após comprovada a propriedade. “O que há são algumas numerações de alguns lugares. Isso deve ter passado em algum lugar público. Agora, de quem é, ninguém sabe. O arquivo não pode dizer que é dele porque ele não tem como provar”.
A suspensão do leilão.
Em meio a essas inúmeras controversas, O Tribunal de Justiça do Rio decidiu suspender o leilão em 21 de novembro de 2018, sob o pedido de Anita Locádia. Para a juíza Flavia Capanema Rego, do 6º Juizado Especial Cível, o “risco de dano irreparável é evidente tendo em vista a possibilidade de ocultação dos documentos por eventual arrematante”. A juíza ainda pediu para que o Aperj explicasse se houve o extravio do material do acervo.
A filha do casal alega que o acervo estava distribuído em três partes: uma que havia sido doada à Universidade Federal de São Carlos, outra estava no Aperj e a terceira estava guardada pelo Partido Comunista Brasileiro, mas que os documentos foram extraviados quando o partido caiu na ilegalidade, em 1947. Apesar das inúmeras controversas, no ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio decidiu que as cartas deveriam ser devolvidas para a filha do casal.
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