ANIMAIS FANTÁSTICOS: RELATOS INDÍGENAS PRESERVAM MEMÓRIAS SOBRE MEGAFAUNA EXTINTA
A tradição oral de indígenas do Brasil e Austrália guarda memórias sobre megafauna extinta no fim do período Pleistoceno
JOSEANE PEREIRA PUBLICADO EM 16/02/2020
Aproximadamente 11 mil anos atrás, em fins do período Pleistoceno, a Terra passava por sua última era glacial. Nessa época, dois fenômenos interessantes ocorreram no planeta: o estabelecimento do Homo Sapiens nos continentes e um processo de extinção massiva dos animais que compunham a megafauna - tanto pelas mudanças climáticas como pela ação humana.
Os registros que comprovam a existência desses grandes animais não estão apenas nos estratos geológicos e fósseis de sítios antigos, mas também nos relatos orais, mitos e lendas de grupos indígenas espalhados pelo mundo.
Pesquisas feitas por cientistas do Brasil e Austrália têm mostrado relações entre os registros de indígenas brasileiros e aborígenes australianos, que colocam a tradição oral como de suma importância para a transmissão de suas culturas às próximas gerações.
Histórias sobre enormes criaturas que puxavam as árvores pelas raízes e cobras gigantes que deslizavam sob a superfície do solo estão presentes em relatos etnográficos, que permitem correlações com os fósseis que compunham a megafauna local.
O "tempo de sonho" australiano.
Na tentativa de entender a visão de mundo dos aborígenes australianos, antropólogos do século 19 conceberam seus mitos como estando em um "tempo de sonho". Para os aborígenes, nessa época - também concebida como um "tempo fora do tempo"- a terra era habitada por figuras de proporções heroicas e capacidades sobrenaturais, que se relacionavam com os humanos de formas muitas vezes não amigáveis.
Exemplo disso é a lenda do "Bunyip", criatura mítica que habitava pântanos se alimentava de seres humanos, e que pela análise de relatos etnográficos tem fortes relações com o Marsupial Diprotodon, a maior espécie da megafauna australiana.
No início dos anos 1900, o geólogo britânico John Walter Gregory reuniu informações sobre o réptil pré-histórico Kadimakara com base em histórias contadas pela etnia Diyari, da Austrália Meridional.
Os Diyari descreviam os desertos australianos como tendo sido outrora "planícies férteis e bem irrigadas", com árvores gigantes e uma espessa cobertura de nuvens no céu. As árvores, segundo eles, criavam um telhado de vegetação onde viviam criaturas gigantescas, que às vezes desciam ao chão para se alimentar e atemorizar a população - com a destruição das árvores que as sustentavam, essas criaturas acabaram vivendo sobre a terra até o fim dos seus dias.
As danças e os rituais realizados por esses povos para apaziguar os temíveis monstros eram realizadas acima de sítios fósseis de megafauna, o que atesta a relação ancestral que esses povos tinham com seu passado e com o território.
A Grande Cobra brasileira
No Brasil de 10 mil anos atrás, os indígenas conviviam com mais de cem espécies de animais gigantes, como o Eremotherium (preguiça-gigante com mais de 6 metros de comprimento e que habitava praticamente todo o território brasileiro, com maior concentração no atual estado da Bahia) e o Mastodonte (espécie de mamute com 5 metros de comprimento e 2,5 metros de altura, que habitava a região central do país).
Apesar de se alimentarem basicamente de espécies vegetais e frutos, os seres humanos da época complementavam suas dietas com proteína animal em razão da escassez em recursos causada pela glaciação. Desta forma, a relação de dependência entre os humanos e esses animais teria dado origem às histórias que, apesar de todo esse tempo, ainda podemos entrever.
Um dos mais conhecidos mitos brasileiros sobre animais fantásticos é o do Mapinguari, criatura bípede com longas garras afiadas e pelos vermelhos, que vivia na floresta Amazônica - provavelmente baseado em memórias da preguiça gigante que se extinguiu há aproximadamente 12 mil anos.
Em outras partes do Brasil existem histórias sobre a Cobra Grande, animal gigante que desliza por baixo da superfície do solo, sulcando-a enquanto serpenteia pelo caminho. E os paralelos entre o comportamento desta cobra e da "serpente do arco-íris" dos mitos australianos são notáveis.
É impossível provar que as histórias indígenas sobre criaturas fabulosas como o Bunyip e o Mapinguari derivam de observações da extinta megafauna. Entretanto, é possível perceber fortes semelhanças entre as histórias e observações paleontológicas locais, sendo plausível supor que as memórias humanas de criaturas extintas sustentem histórias geralmente consideradas como apenas ficção.
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