PSEUDO-HISTÓRIA: OS FATOS QUE NUNCA ACONTECERAM
Descubra quais são as hipóteses que as pessoas discutem, mas não são levadas a sério por qualquer historiador
LETÍCIA YAZBEK E THIAGO LINCOLINS PUBLICADO EM 19/09/2019.
Assim como há pseudociência, há pseudo-história: mitos e teorias de amadores ou historiadores outsiders, rejeitados pela academia, ou teorias antigas que acabaram rejeitadas. E ainda assim não saem na boca do povo. Conheça 7 dos mais notórios exemplos.
1. Aliens construíram pirâmides.
Em 1968, o arqueólogo suíço Erik Von Däniken publicou o livro Eram os Deuses Astronautas?, no qual defende que extraterrestres foram responsáveis pela construção das pirâmides egípcias, astecas e maias, das linhas de Nazca e dos moais da Ilha de Páscoa. Para Däniken, esses seres vindos do espaço eram considerados deuses pelos povos antigos que habitavam a Terra – além disso, eles teriam cruzado com espécies primatas para dar origem aos humanos.
Para a maioria dos historiadores, as teorias de Däniken não têm mérito. Ignoram as práticas culturais, religiosas e sociais dos povos antigos, assim como sua capacidade em erguer pirâmides. Que, por colossal que tenha sido o trabalho, são uma ideia óbvia: uma pirâmide é uma pilha de blocos.
É estruturalmente mais simples que uma casa com paredes verticais e um teto – como as que eram feitas por esses mesmos povos. Além disso, se extraterrestres tivessem construído esses monumentos (ou visitado a Terra consistentemente), eles certamente teriam deixado para trás qualquer vestígio, como ferramentas e materiais.
2. Arianos eram europeus nórdicos.
No século 18, com o contato entre o Ocidente e a Índia, ficou claro que havia muita coisa semelhante entre as línguas europeias e indianas, e que essa semelhança era maior quanto mais no tempo se voltava. Isto é, o hindi tem semelhanças com o alemão ou português, mas o sânscrito, língua litúrgica da Índia, registrada há pelo menos três mil anos, era ainda mais próximo do grego clássico de Homero.
Conclusão: a língua que deu origem às que hoje são chamadas de indo-europeias era falada por um mesmo povo, cujos descendentes dominaram uma área incrivelmente vasta, do Nepal até a Irlanda. Historiadores do século 18 batizaram esses fundadores de arianos, termo que vem do sânscrito arya, nobre. E já era usado por outro povo para se referir a si mesmo: os persas, cujo nome próprio para o seu país, Iran, quer dizer terra dos arianos.
Impressionados por essas conquistas (e, obviamente, por considerá-los seus ancestrais), pensadores racistas, como o francês Arthur de Gobineau, passaram a afirmar que os arianos seriam uma raça superior, e que tudo o que veio depois deles foi degeneração causada pela mistura com os povos locais – razão por que a Índia e a Pérsia, que, por simples lógica, seriam nações mais arianas que as da Europa, foram descartadas do rótulo.
No fim do século 19, o delírio já havia chegado ao ponto de dizer que os arianos haviam na verdade nascido no centro da Europa, na Alemanha.
O consenso hoje é o contrário. Os arianos – rebatizados como cultura Kurgan para evitar qualquer correlação com o nazismo – vieram da Ásia. Muito provavelmente não eram loiros de olhos azuis.
E, mesmo se fossem, não há o menor sentido dizer que se misturaram menos nos países nórdicos. Como resume o arqueólogo Dinc Sarac, da Universidade de Bilkent, na Turquia: “Essa teria sido a ‘descoberta’ da Europa, uma viagem épica só comparável à chegada dos europeus na América, 4 500 mil anos depois”.
3. China visitou a América antes de Colombo.
Na obra 1421: O Ano em que a China Descobriu o Mundo, publicada em 2002, o autor britânico Gavin Menzies, ex-comandante da Marinha britânica, afirma que marinheiros chineses descobriram a América antes da chegada de Cristóvão Colombo no Caribe, em 1492.
Entre 1421 e 1423, os chineses teriam atravessado o oceano Índico, contornando o Cabo da Boa Esperança e cruzado o Atlântico. Então, desceram a costa da América do Sul até passar pelo Estreito de Magalhães, e exploraram a costa oeste das Américas.
A obra de Menzies foi alvo de críticas. O historiador britânico Felipe Fernández-Armesto chamou o ex-comandante de charlatão. Por uma razão óbvia: o livro tece hipóteses, mas não há qualquer prova. Nem registros arqueológicos ou documentos chineses mostram quaisquer viagens para além do leste da África.
4. Jesus não existiu.
Defendida por políticos e pesquisadores como o britânico Thomas Paine e o francês Charles François Dupuis, a Teoria do Mito de Cristo afirma que Jesus Cristo nunca existiu como figura histórica. É tão mitológico quanto Hércules ou Osíris.
Os relatos sobre Jesus teriam sido inventados pelos primeiros cristãos com o objetivo de propagar os ensinamentos da religião, e crescido no boca-a-boca. Em uma versão mais leve, a ideia é que, se Jesus realmente existiu, pouco se sabe sobre sua história - e ele certamente não foi o fundador do cristianismo.
Poucos historiadores seguem essa corrente. Marcus Borg, professor aposentado de religião e cultura da Universidade do Estado do Oregon, fez um resumo da situação: “as evidências de que ele viveu são convincentes para a grande maioria dos estudiosos, sejam eles cristãos ou não cristãos”.
Se dissermos que Jesus não existiu porque ninguém falou dele em vida ou porque as maiores fontes são seus discípulos, teremos que concluir que não existiu quase ninguém que acreditamos ter existido. As únicas exceções seriam os monarcas para os quais foram feitos monumentos e cuja face foi estampada em moedas – os únicos com evidências físicas de sua existência.
Ficando num exemplo: assim como Jesus, Sócrates não deixou nada escrito e só foi retratado pelos outros, principalmente um discípulo seu (Platão), anos após sua morte. E, assim como Jesus, a teoria de que Sócrates seja invenção não é defendida por quase nenhum historiador sério.
5. Judeus não são do Oriente Médio.
Em 1847, o orientalista alemão Karl Neumann levantou uma hipótese incendiária. De acordo com ele, os judeus asquenazes (ashkenazi) – aqueles da Europa Central, falantes de ídiche, não são realmente judeus, descendentes do povo da Judeia destruída pelos romanos. Eles seriam descendentes dos cazares (khazari), povo túrquico seminômade, que controlou um império no Cáucaso.
A hipótese se baseia em dois documentos medievais, escritos pelos rabinos espanhóis Judah Halevi e Abraham ibn Daud, que contam que, no século 8, os líderes do Império Cazar haviam se convertido ao judaísmo.
A hipótese se manteve viva por muito tempo – superficialmente, os judeus asquenazes têm um fenótipo mais tipicamente europeu que os sefarditas, aqueles que viviam entre os árabes. Ela também alimenta a luta contra Israel, já que os sionismo foi uma ideologia surgida entre os asquenazes e os fundadores de Israel eram principalmente asquenazes, os sobreviventes do nazismo, que hoje são cerca da metade dos judeus no país.
A hipótese foi derrubada pela ciência. Neste ano, o historiador Kevin Alan Brook, que estuda a história dos cazares desde 1993, apresentou uma compilação de pesquisas genéticas que não têm encontrou qualquer traço de ancestralidade cazar nos asquenazes.
6. Uma das piores torturas medievais: a dama de ferro.
Uma caixa vertical com pregos dentro, envolvendo todo o corpo. Era o símbolo máximo do fanatismo brutal da Idade Média, quando a superstição imperava. Só que não existiu: foi uma calúnia dos tempos do Iluminismo, quando a reputação da Idade Média esteve mais por baixo que em qualquer outra época.
Uma das menções mais notórias aparece em 1793, quando o filósofo alemão Johann Philipp Siebenkees relatou a morte de um falsificador de moedas por meio de um terrível caixão com espetos de ferro em 1515. A partir da narrativa de Siebenkees, passaram a pipocar inúmeros relatos do uso do instrumento bárbaro contra livres-pensadores ancestrais.
Possivelmente, tudo veio da cabeça de Siebenkees ou outros iluministas. Os primeiros exemplares conhecidos datam do século 19 – criados para ilustrar a lenda, ou para serem apresentados em circos, como se fossem artefatos legítimos. A mais célebre donzela de ferro, que inspirou as demais, foi exibida pela primeira vez em 1802, na cidade de Nuremberg, Alemanha.
7. A Inglaterra causou a Guerra do Paraguai.
Em 1864, o Paraguai declarou guerra ao Brasil, iniciando o que seria o conflito mais sangrento da América Latina. De então até o final do regime militar, o consenso foi basicamente esse: Solano López foi o culpado. Queria uma saída para o mar, no intuito de isolar o Brasil diplomaticamente, e começou uma guerra que achou que poderia vencer.
A obra Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai, de Julio Jose Chiavenato, lançada em 1979, trouxe outra ideia: a Inglaterra, ao ver o Paraguai prosperando, se tornando uma potência industrial, possível concorrente, teria manipulado a Tríplice Aliança para proteger o seus interesses comerciais e financeiros na região.
A ideia de transformar algoz em vítima, o Davi sul-americano contra o Golias europeu, era particularmente atraente aos opositores da ditadura, também porque desconstruía figuras como o Duque de Caxias, tratadas como heróis em sala de aula.
Ainda hoje a tese de Chiavenato pode ser cobrada em vestibulares. Mas não é mais levada a sério pela maioria historiadores. Chiavenato nem historiador era, mas um jornalista autodidata. Durante a Guerra, o Brasil estava com relações diplomáticas cortadas com a Inglaterra. E o Paraguai podia ser tudo, menos uma potência industrial.
Historiadores modernos como Alfredo Menezes, autor de A Guerra É Nossa - a Inglaterra não Provocou a Guerra do Paraguai, falam numa complexa conjuntura e alianças entre países jovens, na qual Solano não é mais o vilão caricato dos tempos da historiografia patriótica, nem um herói anti-imperialista.
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