ILHA DE PÁSCOA: UMA DAS DESCOBERTAS MAIS IMPORTANTES DO SÉCULO 18
Teria a civilização polinésia que construiu os moais extinguido a si própria num desastre ecológico? Que fim levaram eles?
CLÁUDIA DE CASTRO LIMA PUBLICADO EM 14/09/2019.
Ao descobrir uma pequena ilha no meio do Pacífico Sul, no domingo de Páscoa de 1722, o navegador holandês Jacob Roggeveen ficou impressionado. Não pela beleza, pois já havia visto ilhas bem mais paradisíacas. O que causou espanto foram gigantescas estátuas de pedra, espalhadas pela ilha. Nos 150 anos que se seguiram, pelo menos mais 53 expedições europeias alcançaram o pedaço de terra.
Os diários de bordo dos exploradores relatam que, a cada nova visita, uma quantidade menor daquelas figuras era avistada ao longe: elas estavam todas sendo derrubadas. Até que, em 1825, os tripulantes de um navio inglês não encontraram mais nenhuma de pé.
Segundo os exploradores europeus, as estátuas, chamadas de moais, pareciam testemunhas de uma sociedade em colapso. O próprio Roggeveen escrevera em seu diário: “A aparência destruída não poderia dar outra impressão além de pobreza e improdutividade singulares”. Em meados do século 18, o povo rapanui, que habitava a Ilha de Páscoa, já estava em decadência.
Bem antes da chegada dos europeus, a ilha experimentara séculos de progresso, com plantações em franca expansão e comida abundante. Em algum momento, entretanto, algo deu muito errado. A população cresceu demais, as florestas sumiram, o solo sofreu erosão, a agricultura não vingou mais e as aldeias rapanuis se consumiram em guerras.
Para um grande número de pesquisadores, o colapso foi causado pela ação descuidada do homem sobre a natureza. Não à toa, a Ilha de Páscoa é atualmente apontada como uma espécie de metáfora do futuro da Terra: o que houve com os rapanuis é mais ou menos o que pode acontecer com a gente.
Umbigo do mundo.
Distante 3600 quilômetros do continente mais próximo, a América do Sul, e 2 mil quilômetros da ilha mais próxima, Pitcairn, a Ilha de Páscoa é um dos pontos mais isolados do planeta. Tem 163 quilômetros quadrados – metade da área de Belo Horizonte, a capital mineira. O nome dado pelos rapanuis a seu território fazia jus à situação geográfica: Te Pito Henua (algo como O Umbigo do Mundo). A ilha também era chamada de Rapa Nui, ou Rapa Grande, por sua semelhança com uma ilha menor chamada Rapa.
A história da ilha é controversa. Não existe nenhum registro escrito anterior à chegada dos europeus. A data de colonização do local também não é certa. Estudos recentes apontam que, por volta do ano 1000, ela foi alcançada por povos polinésios. Pouco mais de 100 deles teriam encontrado uma ilha rica em fauna e flora, com solo fértil, coberta por um tipo grande de palmeira, que costumava alcançar 25 metros. A tradição rapanui conta que o primeiro colonizador, Hotu Matu’a, chegou à ilha com sua família. A lenda é que ele teria se transformado no primeiro rei de Rapa Nui – e seus descendentes, assumido o posto nos séculos seguintes.
Os rapanuis eram comandados por um único líder, mas a sociedade se dividia em vários clãs familiares. Eles viviam em casas feitas de madeira, palha e folhas secas. Os vilarejos mais ricos eram os que tinham mais galinheiros – enormes e feitos de pedra –, pois as galinhas eram uma importante moeda de troca.
O ponto mais importante de cada vila era o centro cerimonial. Esses centros eram compostos por um altar, o ahu, sobre o qual os gigantescos moais ficavam. As estátuas de pedra eram construídas em homenagem a alguém importante do clã que havia morrido. Sua posição estratégica – de costas para o mar, olhando para o vilarejo – servia para que, direto da outra vida, o morto continuasse a olhar por seu povo.
Adeus às árvores.
Entre os séculos 11 e 14, a sociedade rapanui viveu seus dias de glória. O solo vulcânico favorecia o cultivo de diversos alimentos, especialmente a batata-doce. A agricultura eficiente resultou em um baita crescimento populacional – estima-se que a ilha chegou a ter 15 mil pessoas. Aí começaram os problemas.
Um número maior de habitantes exigia que mais áreas fossem devastadas. “O plantio em grande escala necessita de um campo aberto”, afirma o arqueólogo Christopher Stevenson, autor de Easter Island Archaeology (Arqueologia da Ilha de Páscoa, inédito em português). “Outras demandas pela madeira foram para usá-la como combustível e nas estruturas de casas e barcos.”
As palmeiras serviam para construir canoas que os habitantes da ilha usavam em alto-mar para pescar um importante item de sua dieta: golfinhos. Como a vida marinha ao redor da ilha não era tão abundante, só os pescadores mais experientes, com suas canoas duplas (semelhantes a catamarãs), conseguiam trazer golfinhos para a mesa. A carne do bicho era muito apreciada, assim como a da foca e de 25 tipos de pássaros selvagens. Adivinhe como isso tudo era preparado? Com a queima da lenha retirada nas florestas.
Mas não era só a alimentação que provocava desmatamento. Ele foi intensificado por uma disputa que tomou conta da ilha: a obsessão por construir moais. Os diferentes vilarejos criavam estátuas cada vez maiores. Os primeiros moais, que teriam sido feitos por volta de 1100, tinham entre 2 e 3 metros de altura. Já o maior, esculpido cerca de 300 anos depois e que chegou a ser posto sobre um altar, tem 10 metros e pesa 82 toneladas.
Aos pés do vulcão Rano Raraku, onde todos os moais eram construídos, há uma estátua com mais de 15 metros e cerca de 270 toneladas, que não chegou a ser terminada.
Mas o que fazer moais tem a ver com derrubar árvores? Segundo os pesquisadores, levar um moai do vulcão até um vilarejo e deixá-lo em pé era um trabalho que exigia muita madeira. Além disso, de acordo com a arqueóloga norte-americana Jo Anne van Tilburg, da Universidade da Califórnia, um quarto dos alimentos de Rapa Nui era consumido no processo de produção e transporte dos moais – atividades que envolviam entre 50 e 500 pessoas de cada vez.
Conforme as palmeiras eram arrancadas, uma série de problemas no solo começou a aparecer. “A terra de cultivo ficou exposta ao sol, ao vento e à chuva”, afirma o arqueólogo Claudio Cristino, da Universidade do Chile, um dos maiores estudiosos de Ilha de Páscoa. O solo sofreu erosão e muitos vilarejos ficaram inabitáveis, pois nada brotava ao seu redor.
“Com a destruição dos solos férteis, não é difícil imaginar drásticos períodos de fome em Rapa Nui. Tensões sociais extremas causaram conflitos e a população da ilha, que teria chegado a 15 mil pessoas, começou a diminuir”, diz Cristino, autor de 1000 Años en Rapa Nui (1000 anos em Rapa Nui, sem tradução para o português).
Esse processo de decadência, de acordo com a maior parte dos estudiosos, ocorreu entre os séculos 16 e 17 – antes da chegada dos europeus. Segundo Cristino, a tradição oral rapanui menciona um período de guerras entre aldeias. Quando derrotavam os membros de determinado clã, os vencedores derrubavam os moais do vilarejo de cara para o chão – a maior humilhação que poderia ser feita.
As expedições europeias que visitaram a Ilha de Páscoa ajudaram a piorar a crise, espalhando epidemias e levando pascoenses como escravos. No fim do século 19, havia pouco mais de 100 pessoas na ilha. Basicamente o mesmo número que teria aportado por lá 1000 anos antes e fundado a sociedade rapanui.
Culpa de quem?
Estudiosos divergem quanto aos motivos do desastre na ilha. O geógrafo Jared Diamond, autor de matérias e livros sobre o assunto, batizou a tragédia de Ecocídio. Ao devastar os recursos naturais da ilha, os rapanuis teriam provocado um desequilíbrio que resultou no fim de um ecossistema e causou seu próprio extermínio. “A história da Ilha de Páscoa é o exemplo extremo de destruição florestal no Pacífico, estando entre os mais extremos do mundo: a floresta desapareceu e todas suas espécies de árvores se extinguiram”, escreveu.
Já para o antropólogo norte-americano Terry Hunt, da Universidade do Havaí, não há evidência de que o colapso da população tenha ocorrido antes do contato com os europeus. Hunt sustenta que Rapa Nui foi colonizada bem depois do que se acredita – por volta de 1200. Assim, não haveria tempo para que, em pouco mais de três séculos, a população saltasse para 15 mil habitantes.
Sem superpopulação, a teoria do ecocídio não faria muito sentido. Para Hunt, a queda das árvores foi causada por uma mudança climática que ocorreu ao longo dos séculos. E foi intensificada por uma espécie trazida pelos europeus: os ratos. Alimentando-se de frutos e sementes da palmeira, os roedores dificultavam o nascimento de novas árvores.
Discordando da maioria dos especialistas, Hunt afirma que a ação dos colonizadores foi decisiva para acabar com o povo rapanui – assim como ocorreu com muitas outras sociedades pré-colombianas da América, dos astecas aos tupinambás. As expedições europeias que frequentaram a Ilha de Páscoa entre 1722 e 1877 tinham como principal atrativo a população local.
Os homens serviam de mão-de-obra escrava em países colonizados pela Espanha e pela Inglaterra. As mulheres viravam escravas sexuais. O missionário alemão Sebastian Englert escreveu sobre dois navios que chegaram lá à procura de escravos. Segundo o padre, a tripulação capturou 150 nativos e os levou ao Peru, onde todos foram vendidos. Diversas outras expedições fizeram o mesmo.
Na opinião do britânico John Flenley, professor de Geografia na Universidade Massey, na Nova Zelândia, e co-autor de The Enigmas of Easter Island (Os enigmas da Ilha de Páscoa, também inédito em português), o que ocorreu foi uma combinação de fatores. “A superpopulação, o declínio dos recursos naturais, a exaustão do solo, as guerras e possivelmente uma mudança climática levaram a sociedade à extinção”, diz. “Há a possibilidade de um contato prévio com os espanhóis ter auxiliado, mas não existe evidência real para isso.”
Flenley não acredita na teoria do Ecocídio. “Isso soa rude para o povo rapanui. Eu acredito que eles fizeram exatamente o mesmo que outras sociedades fariam. É da natureza humana explorar o meio ambiente. Apenas o controle de população os teria salvo, mas os métodos disponíveis eram absurdos, como o infanticídio. Eles então entraram em guerra. Nós faríamos o mesmo.”
Arqueólogos da Binghamton University (Nova York, EUA) estudaram objetos triangulares de obsidiana afiada chamados ma’ta, que acreditava-se serem pontas de lança – e, dada sua abundância na ilha, uma prova da violência dos anos pré-contato. Quatrocentos ma’tas foram estudados pela técnica morfométrica, uma análise matemática da forma, levando em conta o nível tecnológico do local.
O resultado foi que os objetos, mesmo afiados, dariam péssimas armas. A equipe sugere que os ma’tas eram implementos agrícolas ou talvez agulhas para tatuagem, uma prática comum das civilizações polinésias. Carl Lipo, o principal autor do estudo, descarta completamente a visão tradicional sobre o colapso da população da ilha – inclusive o fato de ele ter ocorrido, o que é um debate que já existia.
“O que as pessoas tradicionalmente pensam sobre a ilha, como um lugar de catástrofe e colapso, simplesmente não é verdade num sentido pré-histórico”, afirma. “As populações eram bem-sucedidas e viviam de forma sustentável na ilha até o contato com os europeus.”
Hoje, a Ilha de Páscoa pertence oficialmente ao Chile, país ao qual foi anexada em 1888. Seus habitantes vivem no vilarejo de Hanga Roa, onde funciona o centro comercial. Há poucas árvores replantadas na ilha, que vive principalmente do turismo. A história dos antigos rapanuis é contada pelos atuais moradores como exemplo a não ser seguido, e o paralelo com o mundo atual é inevitável.
“Há algumas lições a serem aprendidas com a história da Ilha de Páscoa”, afirma John Flenley. “As principais são claras: para não se extinguir, uma sociedade tem de ter controle de natalidade, conservação ecológica e sustentabilidade.”
Novas descobertas.
Em 2012, um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em conjunto com a instituição Projeto Estátua da Ilha de Páscoa, obteve autorização especial para cavar em torno das cabeças dos moais. Eles descobriram que as estátuas, que pareciam ser formadas apenas pelas cabeças, na verdade tinham tronco, braços e mãos, e ultrapassavam os 10 metros de altura. Em 1954, o norueguês Thor Heyerdahl já havia desenterrado as estátuas, mas elas não foram devidamente documentadas e analisadas.
Os pesquisadores da Universidade da Califórnia também encontraram inscrições e desenhos feitos na base das estátuas, indicando que cada uma tinha identidade própria. Acredita-se que os corpos das pessoas eram enterrados junto das estátuas. Assim, os desenhos seriam uma forma de identificar as famílias e castas, agrupando os corpos de seus familiares. A escavação também revelou ossos e um pigmento vermelho, usado pelos nativos em rituais sagrados.
Saiba mais:
1000 Años en Rapa Nui, P. Vargas, C. Cristino e R. Izaureta, Editorial Universitaria, 2006.
Realizado por dois arqueólogos e um cartógrafo, esse estudo relata com detalhes a pré-história da ilha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário