DE QUATERMAIN À LARA CROFT: TESOUROS ARQUEOLÓGICOS SOB O MANTO DA FANTASIA
O interesse de Heinrich Schliemann nos eventos de Ilíada e Odisseia criou a crença da existência de sítios arqueológicos ainda não descobertos, cujas viagens seriam patrocinadas por sua perspicácia para os negócios ou por suas inclinações para a fraude
M.R. TERCI PUBLICADO EM 20/09/2019.
Quando o assunto é arqueologia, a primeira imagem que nos vem à mente é a do galã Harrison Ford interpretando o aventureiro Indiana Jones em Caçadores da Arca Perdida (1981), uma rentável franquia.
Posteriormente, a atriz Olivia Williams fez o papel de uma linda arqueóloga no longa metragem O Corpo (2001) e, no mesmo ano, estreou Tomb Raider, longa metragem inspirado no game homônimo, que narra as aventuras de Lara Croft, encarnada nessa versão por Angelina Jolie. Apesar do sucesso de todas essas produções nas bilheterias, nem todo mundo gostou.
Longe das peripécias das telas, os arqueólogos do mundo real incomodam-se com essa aura aventureira, muito embora, o arqueólogo, à diferença do historiador, do geógrafo e de outros estudiosos, espelhe imagem muito mais arrojada e atraente.
Isso acontece não só nos filmes, mas também em romances e novelas literárias que trafegam entre a fantasia e a ciência, descrevendo oníricos passeios pelos mistérios e horrores do passado como no caso do Dr. William Dyer criado por H. P. Lovecraft para protagonizar Nas Montanhas da Loucura (1936).
Certo é que, sob o manto da ficção, repousa o fundamento real de tais criações, e Allan Quatermain, personagem fictício do livro As Minas do Rei Salomão (1885) de Henry Rider Haggard, interpretado em mais de 10 filmes por Stewart Granger, Richard Chamberlain e Patrick Swayze, Sean Conney entre outros, talvez seja a resposta.
A imagem ilusória de Quatermain é indissociável da realidade, porque a arqueologia surgiu no bojo do Imperialismo do século 19, como um subproduto da expansão das nações europeias e da América do Norte, que procuravam riquezas em territórios inexplorados, até então desconhecidos do homem civilizado.
Assim, os primeiros arqueólogos foram aventureiros e exploradores, responsáveis, em grande parte, pela fama — boa e má — que se propagou em torno do trabalho arqueológico.
Mas sob o manto da fantasia, escavando história, desnudamos a profunda e verdadeira inspiração para o mais famoso dos personagens do gênero. Indiana Jones foi partejado, indubitavelmente, do mais famoso arqueólogo de todos os tempos.
O alemão Heinrich Schliemann, estudioso da literatura universal e das línguas — inclusive o português —, procurava mais do que uma prova de que os heróis tinham existido; desejava ir à casa deles.
Autor de mais de dez livros e centenas de volumes manuscritos, com mais de 60 mil cartas escritas em vinte idiomas, Schliemann tornou-se um arqueólogo e aventureiro cuja trajetória é tema constante em milhares de publicações.
Seu interesse nos sítios e eventos de textos de antigos autores criaram uma crença bem difundida na real existência física desses lugares. Em suas aventuras ao redor do globo, visitou a Holanda, Rússia, Inglaterra, França, México, Estados Unidos, Grécia, Egito, Itália, Índia, Singapura, Hong Kong, China e Japão, fazendo inúmeros amigos e inimigos em todo o mundo.
Tais viagens podem ter sido patrocinadas unicamente por sua perspicácia para os negócios, ou por suas inclinações para a fraude. Provavelmente, as duas opções.
Em busca da cidade de Troia, em 1868, ele reconstituiu o percurso de Ulisses e fez incursões na Grécia e Império Turco Otomano, tendo como base os textos da Ilíada e Odisseia.
Sua busca incansável por vestígios que confirmassem as histórias de Homero teve grande sequência e impacto na arqueologia. Pela primeira vez, um estudioso se fixara na ideia de que as obras da Ilíada e da Odisseia, inobstante os deuses, monstros e magia, eram demasiadas realistas para serem apenas histórias inventadas sobre heróis e navios enfeitiçados.
M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de Imperiais de Gran Abuelo (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e Bairro da Cripta (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.
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