Publicado em 15/08/2019
Os crimes da Rua do Arvoredo é
um episódio verídico, que ocorreu entre 1863 e 1864, na cidade de Porto Alegre. A prática insólita dos
crimes era feita da seguinte forma: os acusados atraiam vítimas para matá-las
e, provavelmente, desfaziam de partes dos corpos produzindo linguiças de carne
humana pra serem vendidas em um açougue da cidade. Três pessoas estariam
envolvidos na execução dos crimes: o brasileiro José
Ramos, sua esposa húngara Catarina
Palse e o açougueiro alemão Carlos
Claussner. Apesar de ser um caso real, ele ainda está presente no
imaginário popular local, tendo-se tornando uma espécie de lenda urbana da
cidade.
José Ramos foi o filho mais velho de Manoel Ramos e Maria da Conceição. Seu pai fez parte de cavalaria de Bento Gonçalves durante a Revolução Farroupilha, da qual desertou e se refugiou em Santa Catarina. Durante uma discussão familiar o seu pai agride sua mãe, em seguida José Ramos fere gravemente o pai com uma faca, levando-o à morte em poucos dias.
Daí, José Ramos vai para o Rio Grande do Sul e torna-se um inspetor de polícia
na cidade de Porto Alegre, onde teria comprado (ou alugado) uma casa na antiga
Rua do Arvoredo (atual Rua Fernando Machado, 707), que pertencia ao açougueiro Carlos Claussner. Mais tarde José Ramos é expulso da
polícia ao ser flagrado tentando degolar o preso Domingos José da Costa
(bandido famoso, preso em Vacaria em 1862, conhecido como Campara, uma espécie de Robin Hood gaúcho, pois roubava
dos ricos e distribuía o produto do roubo aos pobres), argumentando de que esse
tentava escapar. Ramos passa a servir, então, como informante da Polícia.
Frequentava a
mais alta classe de Porto Alegre. Apaixonado pela música lírica e pela poesia,
assistia espetáculos do recém-inaugurado Theatro São Pedro, onde conheceu Catarina Palse, com quem passou a viver, e a praticar
os tais crimes.
Catarina Palse - foi cúmplice de José Ramos, por atrair as vítimas para sua residência e acobertando os crimes do marido.
De família
pobre, Catarina, possuía origem húngara, mas era etnicamente alemã, em razão de
fazer parte de uma minoria alemã que povoou o território da Transilvânia que
posteriormente constituiu aquele País; morava em uma aldeia com os pais e dois
irmãos. Durante a Revolução húngara de 1848 que buscava sua independência da
Áustria, foi estuprada por soldados e teve a sua família assassinada.
Posteriormente, aos 15 anos, se casa com Peter Palse; para fugir das
dificuldades de seu pais emigram para o Brasil, mas, no decorrer da viagem, o
marido de Catarina se suicida.
Chega em
Porto Alegre em 1857, tendo 20 anos. Se envolve com José Ramos em 1863 e vão
morar juntos na então Rua do Arvoredo, perto do cemitério que ficava atrás da
Catedral Metropolitana de Porto Alegre.
Carlos Claussner.
Carlos
Claussner era um imigrante alemão que possuía um açougue atrás da Igreja Nossa
Senhora das Dores; na Rua da Ponte (atual Rua Riachuelo), na cidade de Porto
Alegre.
Chegou ao
Brasil em 1859, logo criando o estabelecimento comercial e, devido a sua
localização, cria uma clientela que é responsável por seu sucesso financeiro.
Solitário, Claussner cria laços de amizade com José Ramos e o transforma em seu
ajudante no açougue, visto este dominar o idioma alemão.
O crime.
Ao que tudo
indica, os crimes iniciaram-se a partir do ano de 1863. José Ramos e Catarina
Palse frequentavam bons locais públicos e checavam, com antecedência, quais
homens ali eram ricos e poderiam ser seduzidos por Catarina. A preferência era
por imigrantes alemães, visto que Catarina não dominava o idioma português.
Após escolher
a vítima, a mulher de José Ramos, Catarina Palse, atraia as vítimas no Beco da
Ópera (atual Rua Uruguai) e as levava para a casa do casal, onde as vítimas
tinham roubados seus pertences e eram degoladas, esquartejadas e descarnadas. A
carne era transformada em linguiça e vendida no açougue de Carlos Claussner;
ele teria aconselhado Ramos a fabricar linguiças com a carne como forma de
impedir que os assassinatos fossem descobertos por alguma evidência; já os
ossos seriam dissolvidos em ácido ou incinerados no seu açougue. Embora o
número exato permaneça um mistério, supõe-se que seis vítimas foram
assassinadas.
Em agosto de
1863, os desaparecimentos começaram a despertar a curiosidade das pessoas que
pressionavam cada vez mais as autoridades, isto começou assustar o açougueiro
Carlos Claussner, que decidiu ir para o Uruguai, pois estava infeliz em Porto
Alegre. Dessa forma, José Ramos, temendo perder seu parceiro nos crimes, matou-o
antes e o enterrou no quintal de sua casa. O casal tomou posse do casa e da
loja, e dizia a quem perguntava que haviam comprado as propriedades de
Claussner. Com a morte do açougueiro, a fabricação de linguiças humanas acabou,
pois o casal não tinham experiência profissional para isso.
A elucidação dos crimes tem início no ano de 1864, com o desaparecimento do
caixeiro-viajante José Ignacio de Souza Ávila e
do comerciante português Januário Martins Ramos da Silva;
que foram vistos no dia anterior na casa de José Ramos, na Rua do Arvoredo.
Convocado a prestar esclarecimentos na delegacia, Ramos afirmou que eles teriam
ido pra cidade de São Sebastião do Caí. O delegado, não satisfeito com as
explicações, no dia seguinte ao depoimento foi revistar a residência,
encontrando comprovações de diversos crimes. Foram achados vários
indícios, que se deram por meio de identificação dos pertences das vítimas,
conservados por Ramos como uma espécie de souvenirs de acontecimentos macabros.
Ainda,
durante a revista, em estado de decomposição, foram descobertos vários pedaços
de um corpo humano enterrados no porão da residência, sendo identificados como
sendo o alemão Carlos Claussner, dono do açougue na Rua da Ponte. No poço da
casa encontrou-se despedaçados os corpos de Januário e José Ignacio e, também,
de um cachorro com o ventre rasgado (o cão era de José Ignacio, que permaneceu
na porta da casa de José Ramos latindo como se esperasse o dono por alguns
dias, até que misteriosamente também desapareceu).
Catarina, depois de um tempo
presa e convertida para a seita dos mucker, decidiu confessar à polícia que na
casa haviam sido mortas mais seis pessoas e que foram transformadas em linguiça
pelo açougueiro Carlos Claussner. O diário de Catarina foi o ponto de partida
para a investigação das demais mortes.
Conclusão.
José Ramos e
Catarina Palse mataram para se apossar dos bens de suas vítimas, com exceção do
caixeiro José Ignacio, que foi morto por ser testemunha, que poderia
denuncia-los. Nordestino, o delegado Dário Rafael Callado exercia funções de
Chefe de Polícia e Juiz de Direito na época. Sendo o acusado José Ramos um de
seus informantes assalariados, Dário Callado acelerou o andamento do inquérito
policial e cumprimento das funções judiciais para evitar uma situação embaraçosa
contra si. Dário já tinha sido alvo de críticas, como por exemplo, do
deputado Silveira Martins por ter feito prisões ilegais.
Já na condição de Juiz de Direito, Dário Callado sentenciou José Ramos nas
penas do crime de latrocínio, condenado à pena de morte por enforcamento pelos
seus crimes (depois comutada à prisão perpétua); Ramos negou os crimes até
morrer doente, cego e sozinho na Santa Casa de Porto Alegre, em 1893. Catarina
Palse acabou sendo presa como cúmplice, condenada a 13 anos de prisão; saiu da
prisão em 1877 e depois acabaria morrendo em um hospício, em 1891. O caso teve
quase nenhuma repercussão na impressa de Porto Alegre da época, tendo mais
destaque em jornais franceses e uruguaios.
As linguiças
fabricadas, vendidas no comércio de Porto Alegre, tinham “muito boa aceitação”.
Nesse ponto inicia-se a “lenda”, pois os processos criminais a que José Ramos
respondeu existem, mas neles não consta que as vítimas eram transformadas em
linguiça. O processo dos crimes da Rua do Arvoredo encontra-se hoje guardado no
Arquivo Nacional, na cidade do Rio de Janeiro.
Segundo o historiador Décio
Freitas, autor do livro O Maior Crime da Terra,
os processos estão incompletos, faltam folhas, é todo manuscrito em português
arcaico de difícil leitura e se realmente a história é verdadeira, nunca se
saberá, pois somente as folhas faltantes nos autos é que poderiam dar algum
indício sobre a veracidade das tais linguiças, ou não. O fato é que hoje existe
o crime, porém, as provas sobre as linguiças fabricadas com carne humana foram
inviabilizadas no decorrer do processo e o passar dos tempos. Portanto, jamais
se saberá se a história é completamente verdadeira.
Repercusão
do caso.
Na Europa,
Charles Darwin ficou sabendo do caso na Inglaterra e escreveu em seu caderno de
anotações um curto comentário sobre o canibalismo registrado em Porto Alegre:
“Há um chacal adormecido em cada homem”.
Em 1987 o
caso inspirou a publicação do livro Cães da província,
de Luiz Antônio de Assis Brasil. O livro conta a biografia
do escritor dramaturgo José Joaquim de Campos Leão, conhecido como Qorpo Santo.
Junto com esta narrativa, Assis Brasil também incluiu paralelamente em sua
história os crimes da Rua do Arvoredo. O livro foi republicado em 2010 pela
editora L&PM Editores.
Em 1996 o historiador Décio Freitas publicou o livro O Maior Crime da Terra – O Açougue Humano da Rua do Arvoredo,
pela Editora Sulina, após uma pesquisa aprofundada sobre o assunto.
Posteriormente,
em 2005, a história dos crimes da Rua do Arvoredo inspiraria também o romance
do escritor David Coimbra, Canibais: Paixão e Morte na Rua do Arvoredo, publicado
pela editora L&PM Editores.
No Rio Grande
do Sul, a RBS – afiliada da Rede Globo na região – produziu um documentário
sobre o caso. Um outro trabalho independente em documentário já tinha sido
produzido.
Em 28 de
abril de 2006, a Rede Globo apresentou um documentário de 40 minutos, com
dramatização sobre o crime, no programa Linha Direta Justiça. Os atores Carmo
Dalla Vecchia e Natália Lage estão no elenco do episódio do programa, como José
Ramos e sua mulher Catarina. Como trilha sonora do episódio, foram incluídas
algumas músicas do grupo inglês Radiohead. Para reconstituir o crime, os
trabalhos de pesquisa da equipe do Linha Direta foram amplos. A produção buscou
informações nos arquivos públicos do Rio de Janeiro e de Porto Alegre e
verificou desde recibos da época e passaportes, até as autópsias dos corpos das
vítimas.
Fonte:
Wikipedia
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