terça-feira, 23 de julho de 2019

Ouça: diabo na música - as notas malditas.

OUÇA: DIABO NA MÚSICA — AS NOTAS MALDITAS

Condenado pelos padres e evitado por séculos, o intervalo musical do mal hoje está em todo o lugar
THIAGO LINCOLINS PUBLICADO EM 23/07/2019
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- Crédito: Wikimedia Commons
Como a filosofia e a ciência, na Idade Média, a música erudita, sofisticada, estava nas mãos da Igreja. Para os monges, os sons deveriam ser angelicais e comoventes: consonantes. E, assim como o Diabo é uma versão deturpada e invertida de Deus, certa sequência de notas é o oposto disso: dissonante.  Essa combinação terminaria batizada (já bem depois da Idade Média) de Diabolus in Musica (Diabo na Música). 
Outro nome para isso é trítono. Um intervalo de três tons entre duas notas. Por exemplo, entre dó e fá sustenido, ou entre fá e sol. Quando reproduzido resulta em uma combinação musical que a maioria das pessoas percebe como perturbadora, macabra. Como mostra o vídeo abaixo. 
Ainda que os músicos adorem repetir a história, trítonos nunca foram banidos pela Igreja, muito menos que alguém tenha ido para a fogueira por isso. Ou não há qualquer evidência disso. O que há é gente como o monge e compositor Guido de Arezzo que, ao desenvolver seus hexacordes, recomendou evitar o intervalo entre fá e si. Alguns deles como a monja Hildegarda de Bingen e o trovador francês Chrétien de Troyes foram repreendidos ao usá-los pois deveriam seguir as regras de composição impostas pela Igreja.
Inclusive o registro mais antigo do trítono é de uma composição de uma freira, Santa Hildegarda de Bingen, em Ordo Virtutum, composta por volta de 1151. O intervalo aparece, adequadamante, nas partes relacionadas ao Diabo, pois é uma peça falando sobre a redenção da alma contra ele. E soa, de fato, bem sinistro:
Provavelmente Santa Hildegarda é a razão pela qual o trítono passou a ser relacionado ao Diabo. "Aparentemente era o som usado para chamar a besta. Há algo muito sexual no trítono. Na Idade Média, as pessoas eram ignorantes e assustadas, então quando ouviam algo assim e sentiam a reação em seus corpos, pensavam "ah, aí vem o diabo", diz Bob Ezrin, produtor musical canadense em entrevista à BBC.
O que chegou a ser banido — e só dentro da igreja — é otura coisa: a polifonia, o uso de mais de uma melodia na mesma música. Isso era comum na música secular medieval, mas não em música sacra, como o canto gregoriano. Foi proibida pelo papa João XXII em 1322, que achava o estilo vulgar, mas a proibição logo seria ignorada.
O nome Diabolus in Musica aparece só em 1702, mencionado pelo compositor alemão Andreas Werckmeister, dando entender que era um termo bem antigo. Ele condenava seu uso e, então, era uma gafe inaceitável para um compositor colocar um trítono na música.
O tabu seria quebrado com a música romântica do século 19, que abusava de temas sombrios. Como na Sonata de Dante, de Franz Liszt:
Desde então, o trítono é parte básica do repertório. Continua a ser usado para invocar a imagem do Diabo. Como em:. 
Não é só o metal, aliás. O blues e o jazz fazem amplo uso dos trítonos. Um dos mais universalmente conhecidos usos é:
Pode acreditar: o coro que abre a música, o "The Simpsons", é um trítono. E o baixo ao fundo também é.
E esse é o resultado de mudar a música, inclusive o intervalo maldito, para uma escala menor. Mas essa é outra conversa.

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