GRACE O'MALLEY, A RAINHA PIRATA DA IRLANDA, QUE DESAFIOU ELIZABETH I
A chefe de um clã irlandês do século 16 foi respeitada não só pelo seu povo, mas também se impôs diante de sua grande inimiga — a coroa inglesa
VANESSA CENTAMORI PUBLICADO EM 28/05/2020
"Ela tinha fortalezas em seus promontórios e valentes galés no mar. Nenhum chefe guerreiro ou viking tinha um coração mais ousado do que ela", diz o quarto verso de uma tradicional canção, publicada por J. Hardiman, em 1979, para descrever a destemida rainha pirata do século 16, Grace O'Malley.
Filha de Eoghan Dubhdara O'Malley, lorde da dinastia O'Malley, e de Margaret O'Malley, a aventureira irlandesa aparece em numerosos poemas ao longo dos séculos, e também hoje está documentada nos registros oficiais dos Documentos de Estado da coroa inglesa.
Nascida em 1530, quando Henrique VIII ainda era o rei da Inglaterra e possuía o título de Senhor da Irlanda, Grace pertencia ao clã O'Malley, que ostentava uma longa tradição de marinharia. Ela aprenderia a arte da navegação marítima e conquistaria os mares ao redor do Condado de Mayo na Irlanda, por mais de 40 anos.
Rebeldia desde cedo
Segundo os registros da organização londrina de museus Royal Museums Greenwich, dizia a lenda que na juventude a futura pirata queria viajar em uma expedição à Espanha com o pai.
Porém, Grace não podia ir, pois disseram-lhe que seus cabelos compridos se prenderiam nas cordas do navio (possivelmente alguma justificativa machista). Para envergonhar o pai, a garota rebelde cortou seus cabelos, o que lhe valeu o apelido de "Gráinne Mhaol", que significa algo como "Grace careca".
Visto isso, não foi possível detê-la: a menina corajosa acabou embarcando na vida da pirataria, que era comum onde ela nasceu. Criada em Belcare Castle, perto de Westport, Grace fazia parte de um clã pirata que construiu uma fileira de castelos de frente para o mar para proteger o território de Connacht. Eles eram navegantes cruéis que tributavam todos os que pescavam em suas costas — inclundo pescadores de lugares tão distantes como a Inglaterra.
Relacionamentos.
Em 1546 Grace O'Malley se casou com Dónal an Chogaidh Ó Flaithbheartaigh, herdeiro do clã O'Flaherty. O casal teve três filhos, dois meninos e uma menina. A união se deu até que uma tragédia ocorreu em 1565, quando o marido da pirata foi morto enquanto caçava nas colinas ao redor de Lough Corrib. Dónal muito provavelmente foi vítima de uma emboscada do povo Joyces.
Após a morte do marido, Grace teria se relacionado com outro homem, um filho naufragado de um marinheiro de Wexford. Tragicamente, esse novo relacionamento também foi breve e o cidadão foi igualmente assassinado, só que pelo grupo dos MacMahons.
Como vingança, a corajosa mulher atacou o Castelo Donna na região do clã inimigo. Matou sem nenhuma piedade os assassinos do seu antigo amado. Um ano depois, ela recuperou seu coração quebrantado e se casou novamente com seu terceiro amor, Risdeárd an Iarainn, com quem engravidou depois, de um menino, que se chamaria Theobald.
Bravura contra inimigos e a interferência inglesa
Grace estava grávida de seu filho durante uma viagem de missão comercial, em 1567. Uma hora após o parto, piratas inimigos teriam atacado o navio. Envolvendo a criança em um cobertor, ela apareceu no convés e reuniu sua tripulação. Começou então uma batalha entusiasmante: a pirata despertou a coragem de seus homens, disparando saques contra os agressores e gritando "leve essa carga de mãos não consagradas!".
Além de episódios como esse, a líder do clã O'Malley também se opunha ferozmente à interferência inglesa de Elizabeth I na Irlanda. Já com seus 56 anos de idade, Grace foi capturada e presa por Sir Richard Bingham, o governador inglês que foi designado para governar os territórios irlandeses em nome da coroa.
Enquanto a rainha pirata escapava por pouco de uma sentença de morte, sua prisão significava que ela perdia influência e riqueza à medida que o poder inglês na Irlanda aumentava. Quando a desbravadora do mar descobriu finalmente que alguns de seus familiares (irmãos e filhos) estavam detidos, ela exigiu uma indenização à Coroa.
O encontro emblemático
A situação da guerreira da Irlanda era tão séria que em 1593 a pirata decidiu enviar uma petição à rainha inglesa da época, Elizabeth I, pedindo-lhe alívio de um estado de quase pobreza. Ela recebeu uma resposta da soberana da Inglaterra, que enviou de volta 18 perguntas para que Grace respondesse sobre seu histórico familiar e circunstâncias de vida.
Acabou que a líder do clã irlandês embarcou para a Inglaterra para negociar pessoalmente com Elizabeth I em setembro de 1594, no castelo de Greenwich. A conversa foi realizada em latim, pois Grace não falava inglês e a monarca inglesa não falava irlandês.
A pirata deve ter causado uma forte impressão em Elizabeth: a soberana britânica posteriormente concedeu seus pedidos a Grace, mas somente se a irlandesa cessasse toda atividade rebelde contra a coroa inglesa. O acordo saiu menos vantajoso para a desbravadora da Irlanda, já que vários de seus territórios ainda assim permaneceram sob posse da Inglaterra.
Novo conflito
Grace percebeu que a reunião com Elizabeth I havia sido inútil, e seu clã voltou a apoiar os insurgentes irlandeses durante confrontos posteriores com os ingleses. Além disso, a pirata mandou mais duas petições à secretária da rainha em abril e maio de 1595, pedindo novamente apoio ao alívio de seu empobrecimento, mas não teve resposta.
Enquanto isso, Elizabeth I se preocupava com a grande rebelião contra a Inglaterra liderada por Hugh O'Neil, conde de Tyrone, conhecida como a Guerra dos Nove Anos. Esse levante piorou ainda mais a situação financeira de Grace, pois o condado de Mayo sofreu grande devastação durante o conflito.
A frota de pirataria da rainha do clã irlandês O'Malley conseguiu embarcar no mar, mas Grace já estava no fim de sua vida, com 70 anos de idade. A líder morreu em algum momento em 1603 e foi enterrada na Abadia da Ilha Clare. Sua jornada como pirata foi dedicada à independência de seu povo.
Em 2006, Grace foi descrita pela biógrafa irlandesa Anne Chambers como "uma política pragmática, uma saqueadora implacável, uma mercenária, uma rebelde" e, acima de tudo, "uma mulher que quebrou o molde e, assim, desempenhou um papel único na história ".
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