ENIGMA EGÍPCIO: O MISTÉRIO DA MÚMIA MUTILADA SOLUCIONADO PELO FBI
Para desvendar a incógnita de mais de um século, arqueólogos recorreram à agência na intenção de descobrir de quem era a decepada cabeça de 4 mil anos
ISABELA BARREIROS PUBLICADO EM 02/04/2020
Há mais de um século atrás, em 1915, um grupo de arqueólogos fez uma descoberta incomum. Enquanto escavavam uma necrópole em Deir el-Bersha, no Egito, eles observaram uma tumba praticamente secreta. Lá, dentro da câmara mortuária, não estava uma múmia: apenas parte dela. Sua cabeça decepada do corpo pousada sobre um caixão de cedro espantou os pesquisadores, que logo começaram uma investigação.
Os pelo menos 4 mil anos de existência da múmia nem sempre foram de descanso eterno. Em algum momento, saqueadores adentraram o local em que ela estava e levaram ouro, joias, e quase tudo de valor que existia lá. Eles ainda separaram a cabeça do resto do corpo encontrado, debilitando ainda mais o antigo artefato, e, para além disso, colocaram fogo na tumba para acabar com qualquer vestígio do crime que haviam cometido.
O que os pesquisadores sabiam sobre o mausoléu é que ele pertencia a um governador egípcio, denominado Djehutynakht e sua esposa, que teriam vivido em torno de 2 mil a.C., e administrado uma província do Alto Egito. Esse fato fez com que a equipe ficasse confusa quanto à identidade da múmia descoberta — seria ela o próprio líder ou, talvez, sua mulher?
A história pode ser insólita, mas mais bizarro ainda é o rosto mumificado. As sobrancelhas pintadas, a expressão sóbria e os cabelos ondulados que podem ser observados por debaixo das bandagens esfarrapadas demonstraram um dos maiores mistérios a serem revelados por arqueólogos. A cabeça foi levada ao Museu de Belas Artes de Boston, em 1921, e permaneceu intrigando pesquisadores.
Os dois caixões e as inúmeras estátuas de madeira abandonadas pelos vândalos também foram levados para análise nos Estados Unidos. Segundo Marleen De Meyer, diretora-assistente de arqueologia do Instituto Holandês-Flamengo no Cairo, “o caixão dele é uma obra prima de arte do Império Médio”, que possui “alguns itens de um tipo raro de realismo”.
Ainda assim, permanecia o mistério de quem realmente era aquele crânio — de Djehutynakht ou sua esposa. “A cabeça foi encontrada sobre o caixão do governador, mas nunca teve certeza se pertencia a ele ou ela”, explicou Rita Freed, uma das curadoras do Museu de Belas Artes de Boston. Foi apenas em 2009 que as peças da necrópole foram expostas ao público, e foi também a primeira vez que se pensou no que fazer para acabar com a incógnita.
Segundo Freed, naquele ano, eles fizeram uma investigação no artefato e concluíram que apenas um teste de DNA poderia revelar o gênero da múmia para, enfim, definir a quem ela realmente pertencia. No entanto, havia uma dificuldade ainda maior. “O problema era que naquele momento, em 2009, nunca se teve uma extração bem-sucedida do DNA de uma múmia de 4 mil anos”, alegou a curadora.
Nesse momento, para tentar solucionar o caso enfim, o museu pediu ajuda à unidade de polícia estadunidense do FBI. A agência, no entanto, nunca havia trabalhado com artefatos tão antigos quanto esse, mas ainda assim aceitaram o desafio. “Honestamente, eu não esperava que isso funcionasse, porque, naquela época, havia essa certeza de que não era possível obter DNA de restos mortais do Egito Antigo”, confessou o especialista forense do FBI, Odile Loreille. Mas funcionou.
Para realizar o estudo, Freed, em parceria com o Hospital Geral de Massachusetts, definiram que o melhor modo de descobrir o gênero da múmia seria por meio da extração de um molar. Através da análise de ossos da face e da articulação da mandíbula, os pesquisadores poderiam determinar o sexo da múmia.
O biólogo molecular Fabio Nunes, do Hospital Geral de Massachusetts, foi o responsável pela retirada do dente da múmia. “Minha maior preocupação era: 'Não deixe cair, não deixe cair, não deixe cair'”, disse depois do experimento, já aliviado. Depois disso, já em 2016, uma coroa do molar foi enviada para Odile, o forense do laboratório do FBI em Quântico, na Virgínia. Foi aí que o FBI entrou em ação para definir a identidade da múmia.
Após uma análise de DNA, o especialista analisou a quantidade de cromossomos contida no dente. “Quando o DNA é feminino, há mais registros de cromossomos X. Quando é masculino, há X e Y”, explicou Odile. E a conclusão foi essa: era masculino — ou seja, a cabeça pertencia a Djehutynakht.
“É quase como durante a gravidez, quando você descobre o sexo do bebê. É um menino!”, afirmou Nunes. Freed alegou ainda que, como haviam descoberto que ali se tinha o próprio governador, mudariam a etiqueta de identificação, que finalmente poderia ser colocada na exposição.
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