"VERDADEIRO CRISTÃO CARREGA A BÍBLIA EM UMA MÃO, E A METRALHADORA NA OUTRA": OS HORRORES DO DITADOR EFRAÍN RÍOS MONTT
Liderando uma das ditaduras mais violentas da América Latina, Montt matava opositores na Guatamela enquanto afirmava que havia sio ungido por Deus
CAIO TORTAMANO PUBLICADO EM 17/03/2020
Em 1982, a Guatemala passava por uma situação política instável. A beira de uma eleição, o general Ángel Aníbal Guevara foi eleito presidente do país por um processo fraudulento nas urnas, de acordo com os partidos de oposição.
Como consequência, Efraín Ríos Montt, com auxílio de outros dois militares, retirou o então presidente guatemalteco Romeo Lucas García através de um golpe de estado. Ríos Montt passou a comandar o país, declarando leis marciais e suspendendo a constituição no mais claro ataque à democracia e os direitos humanos do país.
Em seguida, o roteiro clássico de toda tomada de poder foi estabelecido: o poder legislativo deixou de existir, tribunais secretos foram formados e uma campanha conta dissidentes políticos instaurou o pânico. Aqueles que se opunham, ou tinham chance de se opor aos militares, eram sequestrados, torturados e assassinados.
A ideia era promover Montt como tudo aquilo que a Guatemala precisava, dando sua visão acerca do nacionalismo, ideais sobre educação e a restituição de um suposto orgulho cívico. A situação do país era tamanha que, em um primeiro momento, o golpe de estado foi endossado por grande parte da população, que enxergava na figura do militar uma pessoa para acabar com a corrupção.
Evangélico Pentecostal, o general — agora presidente — fazia uma comparação dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse com problemas contemporâneos a eles, como a fome, a miséria, a ignorância e a subversão. De acordo com Robert Huish, na obra Where No Doctor Has Gone Before: Cuba’s Place in the Global Health Landscape (Onde nenhum médico foi antes: o lugar de Cuba no cenário global da saúde, em tradução livre), o tirano chegou a afirmar que “o verdadeiro cristão carrega a Bíblia Sagrada em uma mão, e uma metralhadora na outra”.
Ríos passou a concentrar o poder em suas mãos depois de obrigar os outros dois militares que também ascenderam a renunciar. A violência cresceu no interior do país depois da instauração do Victoria 82, que buscava destruir bases guerrilheiras na região em táticas de terra arrasada.
A estratégia frijoles y fuziles (feijões e fuzis, em espanhol) foi utilizada como forma de pacificar o ambiente rural, que, na realidade, trouxe ao fim de cerca de 600 vilas indígenas maias no país. A administração do país passou a ter o poder de decretar pena de morte aos suspeitos de fazerem partes de guerrilhas.
A Anistia Internacional constatou que 10 mil indígenas guatemaltecos morreram de março até julho; e que 100 mil ruralistas tiveram que fugir de suas casas. A situação toda era ignorada pelos Estados Unidos. Para se ter ideia, até mesmo Ronald Reagan visitou o país ao final de 1982.
Reagan até afirmou que as condições dos direitos humanos no país estavam melhorando, e utilizou desse discurso para justificar a destinação de equipamento militar nos anos seguintes: 4 milhões de dólares com peças de helicóptero e mais de 6 milhões em suprimentos militares.
No mesmo ano, Montt afirmou que a guerra contra as guerrilhas de esquerda havia sido vencida. Com isso, seu governo se enfraqueceu, e ele passou por três tentativas de golpes de estado. Em 1983, depois de declarar estado de emergência, o ministro de defesa do país tentou a retirada de Ríos do poder, resultando na morte de 7 pessoas.
A popularidade do, um dia salvador da pátria, caiu gradualmente, especialmente depois que o político se recusou a dar clemência a seis grupos guerrilheiros presos durante uma visita do Papa João Paulo II. Além disso, o próprio corpo militar passou a reprovar suas ações, que contrariavam a hierarquia do grupo, oferecendo promoções a soldados novos.
Em 1983, Efraín Ríos Montt foi afastado do poder como uma tentativa de tranquilizar o ambiente nacional, o que não acabou acontecendo. As mortes de indígenas eram massivas. Durante o seu tempo no poder, um milhão e meio de indígenas foram deslocados de suas casas, e obrigados a morar em campos de concentração.
Em 2003, o ex-ditador tentou se candidatar novamente para a presidência do país, e teve o pedido negado. Porém, dessa vez, uma convocação foi feita pelo militar e diversas pessoas foram às ruas protestar a favor do antigo presidente. Um caos: o povo estava armado e acabaram bloqueando o tráfego de carros, enquanto balançavam facões ameaçando a constituição.
O movimento foi coordenado por militantes conhecidos do partido de Montt, alguns, inclusive, eram deputados. A situação foi caótica e durou dois dias, mas o congresso cedeu e ele pôde participar das eleições que, surpreendentemente, foram pacíficas. O resultado foi menos ameaçador: Ríos conseguiu apenas 11% dos votos e amargou uma terceira posição.
Apesar de todos os absurdos cometidos em vida, Montt nunca foi preso por nenhuma de suas quebras dos direitos humanos. Veio a falecer em 2018, vítima de um ataque cardíaco, aos 91 anos de idade.
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