ESCÂNDALO NA CORTE: A SINGULAR AMIZADE ENTRE A RAINHA VITÓRIA E O SERVO ABDUL KARIM
A relação se tornou uma das maiores polêmicas da corte britânica, que tentou apagar o episódio por puro preconceito
ANDRÉ NOGUEIRA PUBLICADO EM 17/02/2020
Após um esforço realizado pela corte britânica, uma singular amizade foi apagada da História por muito tempo. Trata-se da relação desenvolvida entre a Rainha do Reino Unido, Alexandrina Victória, ou Rainha Vitória, e seu criado da Índia Britânica, o servo Adbul Karim.
O episódio é conhecido atualmente graças à influência da escritora Shrabani Basu, que se deparou com um relato dessa história em um livro e, depois, encontrou um retrato de Abdul numa exposição na Casa de Veraneio da Rainha. A imagem era estranha: Abdul, mesmo servo da rainha, vestia-se como um nobre.
Basu encontrou um dos poucos retratos conhecidos que sobreviveram à grande queima de arquivos promovida pela nobreza inglesa para apagar da História a imagem do servo, que foi o confidente da monarca mais poderosa de sua época.
Estudos sobre Vitória indicam que Abdul chegou à Inglaterra num momento vazio de sua vida. Isso porque seu servo favorito, o escocês John Brown, havia morrido quatro anos antes. Abdul, que era um funcionário qualquer da Prisão da Índia, tornou-se a principal referência pessoal da rainha, que o chamou de Indian Jon Brown.
Abdul fomentava diversos interesses da Rainha, que cada vez mais admirava características do servo e de sua cultura. Impressionava-se com a cultura, a comida, a língua de Abdul, além de admirar o relacionamento de seu próximo com a religião e deus. Não demorou muito para que a monarca se interessasse em aprender a língua hindi com Abdul.
Entretanto, o servo não gozava da mesma felicidade que a Rainha Vitória, pois sua vontade era a de retornar a seu país, continuar entre iguais e não mais entre os homens brancos, estrangeiros e colonizadores.
Em terra estranha, Abdul queria voltar à Índia. Tentando fazer com que seu servo continuasse na Inglaterra, Vitória, lhe ofereceu todas as honrarias possíveis. Deu a ele o status de nobreza e o declarou Munshi (professor).
Diante da situação, Karim aproveitou a abertura e pediu que a rainha o ajudasse com o sustento de sua família. Conseguiu uma pensão para o pai e uma reformulação em seu emprego, para que pudesse manter a esposa (mão de Abdul) e a prole.
Karim, então, concordou em ficar próximo da monarca. Entretanto, isso conturbou o ambiente da corte - que não sentia o mesmo prazer da rainha nessa relação entre um nobre e um servo. O ultraje e o ciúme da Família Real ficaram cada vez mais tensos. Munshi estava sempre com Vitória, viajou com ela pela Europa e era seu braço direito em banquetes e festas.
Para muitos da corte, era ultrajante o tratamento de um ente do terceiro mundo, como membro da realeza. Arthur, que era príncipe, deixava claro a sua indignação. Os tribunais mostravam-se perturbados pela etnia de Karim. Enquanto isso, ele continuava sentado na mesa dos poderosos.
Quando a rainha morreu, em 1901, o servo estava completamente vulnerável aos ataques da Família Real. O Rei Eduardo VII ordenou o confisco de todas as correspondências e fotografias compartilhadas entre Abdul Karim e a Rainha. O serviçal foi obrigado a assistir à queima das cartas e de todos os registros da participação dele na vida política da monarquia.
O Munshi foi enviado para a Índia e todos os servos indianos foram expulsos da corte. Tudo que remetia à imagética oriental também foi banido.
Para os sábios indianos que residiam na Inglaterra, restaram os tribunais racistas e hostis que os queriam o mais longe possível. Esses tribunais, que foram responsáveis pela finalização da queima de arquivo com o objetivo de apagar Munshi da História, registram o caso indicando que Abdul era um aproveitador arrogante que usava a rainha.
Para o desgosto dos britânicos, Abdul retornou à Índia satisfeito. Lá se apossou de um largo terreno e viveu o resto da vida de maneira confortável na Índia, ao lado de sua esposa.
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