sábado, 28 de setembro de 2019

Hans Staden, um alemão no ritual canibal dos tupinambás.

HANS STADEN, UM ALEMÃO NO RITUAL CANIBAL DOS TUPINAMBÁS

Após um naufrágio, Staden foi capturado pelos índios brasileiros e mantido cativo por cerca de nove meses
M.R. TERCI PUBLICADO EM 28/09/2019
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- Crédito: Reprodução
No ano de 1547, partia de Lisboa para sua primeira viagem ao Brasil, o alemão e arcabuzeiro Hans Staden, natural da Província de Hesse. A essa altura, Staden era apenas mais um outro jovem da região procurando meios de ganhar seu sustento e com desejo de viver grandes aventuras. Ora, quem nunca? Naquele tempo, contudo, deixar a Europa e atravessar o Oceano Atlântico representava um enorme desafio.
Os mapas ainda mostravam o oceano povoado por criaturas míticas, colossais. E muitos navegadores ainda imaginavam que, em um ponto qualquer do percurso, a terra despencaria pela borda de um abismo. De modo que não se tratava apenas de uma viagem, era o teste máximo de coragem em uma época em que os homens eram medidos pelas léguas marítimas que percorriam.
Mas se esse era o sonho do jovem alemão Hans Staden, ele logo seria atendido, numa medida que homem algum poderia ter previsto. Por duas vezes, Hans Staden aportou nas costas do recém-descoberto Brasil.
Na segunda, o jovem aventureiro viria a descobrir o real significado da expressão “pular da panela e cair no fogo”. Após um naufrágio, Staden nadou até a praia, rumou para São Vicente e foi contratado pelos colonos portugueses como artilheiro para defender o Forte de São Filipe da Bertioga.
Nesse mister, ele foi capturado pelos índios tupinambás e mantido cativo por cerca de nove meses, sob a constante ameaça de ser morto, cozido e devorado, como ele próprio viu acontecer com outros prisioneiros.
Poupado, por sobrestarem dúvidas quanto à sua nacionalidade – os tupinambás não tinham desavenças com os franceses, de quem os alemães eram simpatizantes –, o jovem chegou a lutar ao lado dos tupinambás contra os tupiniquins, aliados dos portugueses.
Pouco tempo depois, viria a ser entregue a um corsário francês. De volta à Europa, em 1557, Staden compilaria a narrativa de sua captura, com xilogravuras que retratavam canibalismo, pajelanças e outros hábitos da tribo tupinambá.
O grande triunfo de Hans Staden não foi apenas sobreviver. O jovem aventureiro estava predestinado a se tornar o primeiro dos viajantes cronistas e seu relato, fruto de parto extremamente pessoal, é o mais acurado panorama sobre a paisagem, natureza e hábitos dos nativos brasileiros, sobretudo, a mais perfeita descrição do banquete antropofágico praticado pelos povos Tupi.
Encantado e temeroso pela própria vida, Staden conheceu renomados guerreiros, heróis que viriam a unificar as tribos na luta contra o colonizador português e registrou a coragem apaixonada com que os índios se lançavam às batalhas, admirando-se, vezes sem conta, com a intimidade daquele povo com a natureza.
Nenhum europeu havia até então pisado nos territórios que percorreu, nenhum outro homem branco sobreviveu para descrever os rituais culinários e costumes exóticos que testemunhara no seio da tribo.
Seu relato, sobre um europeu azarado, conquanto engenhoso, encalhado entre selvagens canibais, rapidamente, se tornou uma sensação em toda a Europa, best-seller, por assim dizer, 162 anos antes de o inglês Daniel Defoe escrever Robinson Crusoé.

M.R. Terci é escritor e roteirista; criador de “Imperiais de Gran Abuelo” (2018), romance finalista no Prêmio Cubo de Ouro, que tem como cenário a Guerra Paraguai, e “Bairro da Cripta” (2019), ambientado na Belle Époque brasileira, ambos publicados pela Editora Pandorga.

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