O povo acredita que ela virou Santa,
ajuda os necessitados, principalmente as mulheres.
Maria Degolada
O Morro da Conceição abriga uma das
histórias mais clássicas da cidade. O crime, que se tornou lenda urbana,
aconteceu no final do século XIX. Maria Francelina namorava um soldado da
Brigada. Quando estavam em uma confraternização com amigos, ele teve uma crise
de ciúmes e a degolou. Maria morreu próximo a uma figueira, em cima de um
morro. O povo acredita que ela virou Santa, ajuda os necessitados,
principalmente as mulheres.
Quase nada se sabe sobre sua vida. O
que consta nos autos do processo judicial subsequente ao seu assassinato é que
tinha origem alemã e ganhava a vida como prostituta. Seguindo, declara-se que
em 12 de novembro de 1899 ela e o namorado, um soldado da Brigada Militar
chamado Bruno Soares Bicudo, estavam fazendo um piquenique com amigos no Morro
do Hospício. A certa altura o casal se afastou dos outros e começou a discutir.
Maria atacou o namorado com um pedaço de lenha e depois com um cano de ferro,
após o que ele a matou cortando seu pescoço com uma faca. Disso vem seu
apelido.
O assassinato ganhou grande destaque
na imprensa e pela sua brutalidade causou horror na população.[1] O soldado foi
preso e condenado. Circularam várias versões sobre o caso e logo os locais
passaram a venerá-la. No local onde foi morta ergueu-se uma pequena capela em
sua homenagem, identificando-a com Nossa Senhora da Conceição e, por isso,
sendo também chamada de Maria da Conceição.
A passagem de prostituta a santa não
é inédita na tradição católica, e, segundo o antropólogo José Carlos Pereira,
“ela faz parte do grupo das chamadas ‘santas de cemitério’ que corresponde, na
maioria dos casos, a alguém que sofreu morte violenta, seja por acidente,
assassinato ou tortura seguida de morte”.
Para a historiadora Sandra Pesavento,
“ao ser morta ela pode virar santa pois é vítima, e era a loura mártir de um
mestiço analfabeto e mal encarado, personificando o drama de uma realidade de
excluídos da qual ambos faziam parte…. em uma Porto Alegre muito violenta”. A
transformação foi facilitada pela crença de muitos populares de que ela na
verdade não era uma prostituta, mas uma moça de boa família.
Seus devotos a consideram uma santa
milagrosa, mas de acordo com a tradição ela não atende a preces de policiais.
Seu nome batiza o antigo Morro do Hospício, hoje chamado Morro da Maria
Degolada[1] sobre o qual formou-se uma comunidade, a Vila Maria da Conceição,
que se identifica com sua santa.[3] Sua importância fica evidente nas palavras
de um morador da Vila, Pedro Antônio de Souza:
“Em tudo existe uma coisa, né. Por
exemplo, assim, eu sou católico, eu acredito em Deus, mas as mistificações que
existem, a gente tem que acreditar, cara. Porque quem sou eu para dizer que não
acredito na Santa se ela fez os milagres dela, se tu for beneficiado, eu tenho
que acreditar na pessoa, porque senão não teria nome, senão não seria uma
história, senão a Vila nem seria Maria da Conceição, está entendendo? Então,
ela é nossa pioneira cara. Então eu acredito…. A nossa razão de vida…. é aquilo
ali: Maria Degolada. A escola, tudo gira em torno de Maria da Conceição”.
Mariza Jussara da Silva, também moradora da Vila, relatou alguns aspectos do
seu culto:
“Eu me lembro que na época que eu era
guria (menina) tinham muitas oferendas de noivas que casavam traziam da
cerimônia de casamento, traziam todo o enxoval que casou, todo o vestido de
noiva, o buquê, colocava ali para ela. Como tinha muita promessa de cabeça, pé,
mão, pessoas que se machucavam, ficavam doentes, prometiam alguma coisa,
traziam e colocavam ali para ela. Para muitos aqui ela é santa”.
O folclore que a cercou desde o
início continua em desenvolvimento, e novas versões sobre seu assassinato continuam
a surgir, acrescentando muitos detalhes fantasiosos sobre sua vida. Ao mesmo
tempo, sendo morta por um policial, ela se tornou um símbolo de resistência
contra a exclusão social e a opressão do poder público, numa comunidade pobre
que se autodefine como “periférica” e “marginal”.
Para muitos, Maria foi santa.
Devolveu voz à crianças mudas, recuperou a saúde de membros, trouxe a cura à
enfermidades. Só nunca atendia policiais, e nem mesmo seus familiares. Desses,
guardava verdadeiro ódio. A forma de espírito vingador assume de vez quando sua
imagem se mistura, mais recentemente, à da “loira do banheiro”. Reza a lenda
que Maria passa então a assombrar colégios, aparecendo sempre que seu nome é
chamado três vezes. “Maria Degolada, Maria Degolada, Maria Dego…”.
O Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Sul lançou uma publicação sobre o personagem, Maria Degolada:
mito ou realidade (1998); foi tema de um livro de Hércules Grecco, intitulado
Maria Degolada (2002), adaptado como peça de teatro, e de outro escrito por
Caio Riter para o público infantil, Maria Degolada: santa assombrada (2010).
Também deu nome a uma cerveja da cervejaria Anner Bier, foi tema de músicas e
de um cordel escrito por Gilbamar de Oliveira. Em 2012 a sua capela foi reconhecida
como patrimônio da comunidade.
Nossa fonte: https://www.poa24horas.com.br/conheca-a-historia-por-tras-do-mito-porto-alegrense-da-maria-degolada
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