O PARTO ENTRE AS MULHERES ASTECAS
Documentos do século 16 revelam práticas ritualísticas envolvendo o nascimento dos bebês - que incluíam a relação sexual até o sétimo mês de gravidez
JOSEANE PEREIRA PUBLICADO EM 30/04/2019
Assim como em nossa sociedade, o parto entre os antigos Astecas envolvia uma série de rituais e tradições, dos quais apenas as mulheres podiam participar e que eram essenciais para a vida da criança que estava chegando -- vinda do 13º céu e colocada pelos deuses na barriga da mãe. Muito do que se sabe sobre essas práticas está documentado em um livro escrito no século 16 por Bernardino de Sahagún, um frade espanhol que vivia próximo ao que hoje é a Cidade do México e que reuniu em seu manuscrito ilustrado "História Geral das Coisas da Nova Espanha os métodos e rituais de parto astecas.
A Parteira-tlamatlquiticitl
Esse nome cuja pronúncia nos é quase impossível era essencial nos rituais de nascimento. A parteira, guia sábia e confidente com conhecimentos medicinais, fazia visitas regulares à gestante onde realizava exames para checar a saúde do bebê. No caso de uma mãe de primeira viagem, ela a aconselhava sobre hábitos alimentares e temperatura da água no banho, e recomendava que a mulher continuasse a fazer sexo até o sétimo mês de gravidez “porque se ela se abstivesse completamente do ato carnal, o bebê nasceria doente e fraco”. A tlamatlquiticitl também impedia a futura mãe de levantar muito peso, assim como recomendava que ela "evitasse tristeza, raiva e surpresas para não abortar ou prejudicar o bebê".
Preparando a casa
A limpeza e ordem da sociedade asteca, registradas pelos surpresos espanhóis, também eram essencial nos costumes do parto. O corpo e espírito da mulher, assim como a sala de parto e a casa em si, deveriam estar completamente limpos para receber a criança, e algo que auxiliava na limpeza era o "Temascal", espécie de sauna localizada fora da casa em cujo interior eram colocadas ervas aromáticas e lenha. Essas práticas ajudavam no relaxamento e reduziam as dores de parto e, uma vez iniciadas as contrações, a mulher recebia chás especiais para empurrar o bebê. Caso a mulher ainda não estivesse dilatando, “davam-lhe metade do dedo da cauda de um animal chamado 'tlacuatzin'. Então ela daria à luz facilmente."
Como as indígenas do território brasileiro, a mulher asteca dava à luz com a gravidade ao seu favor -- em posição agachada, minimizando os esforços do parto. Sahagún observa isso com grande admiração, registrando que as mulheres da Nova Espanha davam à luz com muito menos esforço que as europeias, se recuperando tão velozmente que não sofriam com pós-parto e podiam voltar a engravidar logo depois.
A chegada de uma nova vida
Assim que o bebê era recebido no mundo, a parteira observava a higiene de ambos. Primeiro, a mulher voltava ao temazcal para suas toxinas restantes e relaxar para iniciar a produção de leite e a criança era lavada para que Chalchiuhtlicue, deusa das águas, "purificasse seu coração e o tornasse bom e limpo".
Para monitorar o suprimento de leite, a parteira permanecia em sua casa por mais quatro dias. A placenta era enterrada em um canto da casa e, caso fosse menino o cordão umbilical era dado a um guerreiro para que fosse enterrado em território inimigo -- como os homens astecas guerreavam muito, esse ritual daria força e coragem ao futuro guerreiro. Se fosse menina, o cordão era enterrado próximo à lareira para torná-la uma boa esposa e mãe.
Logo após o nascimento, anciãos citavam passagens do livro "Huehuetlatolli", palavras de boas-vindas para cumprimentar o bebê. O pai devia informar aos sacerdotes locais o dia e horário de nascimento do bebê, e esses por sua vez consultavam o almanaque "Tonalamatl", estruturado com base no ano asteca de 260 dias para identificar um bom nome para a criança. Segundo Sahagún, o propósito era "predizer sua boa ou má fortuna com base nas qualidades do signo em que nasceu".
Do berço ao túmulo
Apesar dos cuidados prestados, o parto muitas vezes era letal. Se a mãe morria em trabalho de parto, ela era considerada um guerreiro que morrera em combate e enterrada durante o crepúsculo em um templo especial e sua alma viajava para a casa do sol.
Caso o feto fosse natimorto, “a parteira pegava uma faca de pedra chamada 'itztli', cortava o cadáver dentro da mãe e o removia em pedaços”, procedimento aterrador que, apesar de tudo, “salvava a mãe da morte”. As crianças que morriam no trabalho de parto viajavam a um lugar chamado "Chichiualcuauhco", onde uma árvore amamentava-as com seu leite. Lá elas permaneceriam, até que os deuses as enviassem de volta para nascerem de outra mãe, e os ciclos de nascimento e morte continuassem a acontecer.
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