quarta-feira, 1 de abril de 1992

O Mosteiro de Santa Maria da Vitória, ou Mosteiro da Batalha, na Vila da Batalha em Portugal.













O Mosteiro da Batalha, o Mestre de Aviz, Aljubarrota e a luta pela independência de Portugal
Síntese
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória, também designado Mosteiro da Batalha é, indiscutivelmente, uma das mais belas obras da arquitectura portuguesa e europeia, este excecional conjunto arquitectónico resultou do cumprimento de uma promessa feita pelo rei D. João I, em agradecimento pela vitória em Aljubarrota, batalha travada em 14 de agosto de 1385, que lhe assegurou o trono e garantiu a independência de Portugal.
As obras prolongaram-se por mais de 150 anos, através de várias fases de construção, esta duração justifica a existência, nas suas propostas artísticas, de soluções góticas (predominantes), manuelinas, e um breve apontamento renascentista. Vários acrescentos foram entretanto introduzidos no projecto inicial, resultando um vasto conjunto monástico que actualmente apresenta uma igreja, dois claustros com dependências anexas, e dois panteões reais, a Capela do Fundador e as Capelas Imperfeitas.
D. João I doou o mosteiro à ordem de S. Domingos, doação a que não foram alheios os bons ofícios do Doutor João das Regras, chanceler do reino, e de Frei Lourenço Lampreia, confessor do monarca.
Na posse dos dominicanos até à extinção das ordens religiosas em 1834, o monumento foi depois incorporado na Fazenda Pública, estando hoje na dependência da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). Eleito como uma das 7 maravilhas de Portugal e classificado pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, desde 1983, e assume-se-se como um espaço cultural, turístico e devocional.
A vila da Batalha
A Batalha foi palco de grandes momentos históricos, desde a presença romana até às lutas decisivas pela independência, deixando um incontornável património cultural.
Situada na margem esquerda do rio Lena, a cerca de 100 Km de Lisboa, a Vila da Batalha deve a sua origem à construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, pois o seu primeiro núcleo populacional, maioritariamente de origem operária, integrava um bom número de artífices que trabalhavam nas obras do mosteiro, que foi crescendo e prosperando ao longo do século XV, tendo sido elevado à categoria de Vila, a 18 de Março d 1500, através da carta régia de D. Manuel, que na véspera tinha delimitado o seu termo (concelho) bastante menor que o actual.
O nome e a própria vida a Vila da Batalha estão pois, intrinsecamente associados à história do Mosteiro, a sua principal pérola monumental, que a transforma num dos locais mais visitados da região e do país.
Mas para conhecer a História do Mosteiro, precisamos voltar no tempo e entender o que esteve na sua origem.
A morte de D. Fernando I
Com a morte de Dom Fernando I, em 1383, e a falta de herdeiros varões ao trono, a independência de Portugal corria sérios riscos, pois o rei D. João I de Castela, sendo casado com a princesa D. Beatriz, filha do falecido rei, reclamava o seu direito sucessório e o consequente trono de Portugal.
Na sequência dos discursos inflamados pela manutenção da indepêndencia nacional feitas por D. João das Regras, as cortes portuguesas em 1385 nomeiam o Mestre de Aviz como D. João I Rei de Portugal, o que se tornou de imediato um motivo da disputa com o reino de Castela, que de imediato arma um exército e invade Portugal, a caminho de Lisboa, para reinvindicar o seu direito ao trono.
Mas quem era o Mestre de Aviz ?
D. João era filho ilegítimo do rei D. Pedro I e de D. Teresa Lourenço, uma dama galega, e consagrado por seu pai como mestre da Ordem de Avis.
Durante o reinado do rei D. Fernando I, seu meio-irmão, em 1382 devido a intrigas da então rainha D. Leonor Teles, D. João foi preso em Évora e condenado com ordem de execução, mas este pediu ajuda ao conde de Cambridge, tio de D.Filipa de Lencastre, e foi solto, mas este episódio iria tornar D. João mais cauteloso no futuro.
Após a morte do rei D. Fernando I, o país mergulhou numa confusão e numa guerra civil entre os partidários da independência Portuguesa que seguiam os apelos de D. João das Regras, e os partidários do rei de Castela, que procuravam o fortalecer do seu poder, o Mestre de Aviz perante os apelos populares foi escolhido para liderar uma revolta contra a regente Leonor Teles, rainha viúva e partidária do rei de Castela.
D. João, o Mestre de Aviz foi eleito rei nas cortes da cidade de Coimbra, em abril de 1385, depois de um curto período de interregno, e aclamado em Lisboa, como Regedor e Defensor do Reino, e tratou, então de defender o país contra as investidas castelhanas.
D. João I casou, em 2 de fevereiro de 1387, com D. Filipa de Lencastre, neta do rei Eduardo III de Inglaterra e sobrinha do Conde de Cambridge, fortalecendo por laços familiares a aliança Luso-Britânica, uma aliança que perdura até aos dias de hoje. Deste casamento nasceram oito filhos, sendo que os dois primeiros morreram novos, os restantes ficaram conhecidos como Ínclita geração.
A primeira metade do reinado foi marcado pelas guerras contra Castela, mas depois de feita a paz, iniciou-se a expansão territorial para África e Atlântico, começando em 1415 com a conquista de Ceuta, praça estratégica para a navegação no norte de África, e que iniciaria a expansão portuguesa. Aí foram armados cavaleiros os seus filhos D. Duarte, o seu sucessor, D. Pedro e D. Henrique, o grande impulsionador das viagens portuguesas.
Crise de 1383–85
À data da morte do rei D. Fernando I, Portugal parecia em risco de perder a independência, a rainha D. Leonor Teles de Menezes era impopular e olhada com desconfiança, a sua ligação amorosa com o nobre galego o Conde D. João Fernandes Andeiro, personagem influente no paço, atraiu todas as críticas quer contra a sua pessoa quer contra o conde, um conhecido defensor do Rei de Castela e das suas pretensões ao trono Português.
Para além do mais, a sucessão do trono recaía directamente sobre a infanta D. Beatriz, a única filha de D. Fernando I e de Leonor Teles de Menezes, que fora casada aos onze anos de idade com o rei D. João I de Castela, pese embora que do lado português se perfilassem dois candidatos para competir com D. João I de Castela e D. Beatriz pela coroa portuguesa, os dois meio irmãos do falecido rei, D. João, que era filho de D. Pedro I e D. Inês de Castro e o mestre de Aviz, D. João também, e filho de D. Pedro I e de D. Teresa Lourenço.
A crise de 1383–1385, ou interregno, foi um período de anarquia e de instabilidade política, onde as diferentes cidades e vilas de Portugal se declaravam umas por D. Leonor Teles (a maioria destas até ela abdicar da regência em benefício de João I de Castela e da filha), outras por D. Beatriz e o seu marido, outras por D. João filho de D. Pedro e D. Inês, outras ainda pelo mestre de Avis, além das que se mantiveram neutras, na expectativa do desenlace final.
No entanto, a burguesia e parte da nobreza juntaram-se à voz popular que clamava contra a perda da independência, acicatado por um grupo de burgueses e nobres, entre os quais D. Álvaro Pais e o jovem D. Nuno Álvares Pereira, e tomando em linha de conta o descontentamento geral, o mestre de Avis assassina o conde de Andeiro no paço a 6 de dezembro de 1383.
Com a posterior fuga de D. Leonor Teles de Lisboa para Alenquer, e o seu pedido de ajuda ao genro, o Rei de Castel,a inicia-se a sucessão de acontecimentos que entregará a regência ao Mestre de Aviz, o qual de início planeia exercer essa regência em nome de seu meio-irmão, o infante D. João, mas como este último já fora aprisionado pelo Rei de Castela, abria-se então a possibilidade política do Mestre de Avis vir a ser o rei.
Entretanto D.João I de Castela, baseado no pedido de ajuda de D. Leonor Teles, decide violar o pacto antenupcial do tratado de Salvaterra de Magos, e fez-se aclamar, em Toledo, «Rei de Castela e Portugal», ora aquele tratado antenupcial apenas conferia a si e à sua esposa D. Beatriz, sendo esta herdeira directa de D. Fernando I, o título nominal de reis e senhores de Portugal, mas sem deterem poderes de efectiva governação, e os reinos de Castela e Portugal deviam manter-se separados.
D. João I de Castela, no entanto, queria ser soberano pleno, e não de dois reinos separados, e, considerando que não tinha que atender em nada ao tratado de Salvaterra de Magos, porque a sua mulher Beatriz era a herdeira do trono português, decide invadir Portugal para reclamar o seu direito ao trono.
A batalha de Atoleiros
D. João I, na altura regente do Reino, nomeou D. Nuno Álvares Pereira, fronteiro-mor do Alentejo e entregou-lhe uma força militar para fazer frente à entrada do exército castelhano em Portugal. D. Nuno Alvares Pereira partindo de Lisboa, com o seu pequeno exercito, reforçado por uma pequena hoste de lanceiros ingleses, foi sendo aclamado por todo o caminho, e viu os seus efectivos irem sendo aumentados pelos populares que o vitoriavam e que o decidiam acompanhar, até que o seu exército chegou à vista do exército inimigo, que intentava cercar a vila de Fronteira.
Mais numerosos e conscientes que D. Nuno Alvares Pereira os iria interceptar, os castelhanos aliados a diversos fidalgos portugueses que se tinham aliado ao Rei de Castela, sendo mesmo um dos comandantes Pedro Álvares Pereira, prior da ordem do Hospital e irmão de D. Nuno, enviaram um emissário ao chefe do exército português tentando dissuadi-lo, mas perante a recusa dos portugueses o exército castelhano decidiu ir ao seu encontro, e defrontá-lo numa batalha.
O exército português tinha escolhido previamente o terreno, formando um retângulo com a maioria dos veteranos lanceiros ingleses na vanguarda, e nas alas e retaguarda estavam os peões, misturados com mais lanceiros ingleses, os castelhanos por seu lado, fiados no seu muito maior numero, atacaram em força com a cavalaria, que foi contida pelos lanceiros ingleses e por virotões.
Esta inesperada resistência e a tactica utilizada pelos portugueses gerou grande desordem nas hostes invasoras, e as tropas castelhanas começaram a recuar, sendo perseguidas por todo o resto do dia pelas forças portuguesas de D.Nuno Álvares Pereira, que lhes deu caça até à distância de cerca de sete quilómetros do local da batalha.
A batalha dos Atoleiros, constituiu, na Península Ibérica, a primeira e efetiva utilização das novas técnicas de defesa de forças de infantaria em inferioridade numérica, aprendida dos ingleses, perante uma cavalaria pesada muito superior.
A batalha de Aljubarrota - a decisão
Em junho de 1385, D. João I de Castela decide invadir novamente Portugal, desta vez à frente da totalidade do seu exército, auxiliado por um forte contingente de cavalaria francesa, e apoiado uma vez mais por muitos nobres portugueses.
Quando as notícias da invasão chegaram, é reunido o conselho militar em Abrantes para decidir o que fazer, muitos consideravam que o exército invasor era muito forte e sugeriram uma marcha de diversão até Sevilha para atrair o exército invasor, até chegarem os reforços ingleses. O condestável opõe-se e defende dar batalha para travar o passo ao inimigo, o rei parecia ser da mesma opinião, mas não decidiu de imediato.
Impaciente D. Nuno Alvares Pereira parte com a sua hoste para Tomar na firme intenção de travar as hostes castelhanas, o rei envia-lhe um mensagem a pedir-lhe para regressar a Abrantes, mas D. Nuno recusa e continua a marcha para Tomar, enviando uma mensagem de volta a dizer que em Tomar esperaria pelo exército do Rei.
Colocado perante o dilema de ficar com as suas tropas divididas, portanto enfraquecidas, ou aventurar-se numa batalha imediata, o rei acaba por anuir, e os 2 exércitos reunem-se e deslocam-se para Porto de Mós sendo a vanguarda comandada pelo condestável e a retaguarda pelo rei.
A batalha de Aljubarrota - a preparação
Com o reforço dos aliados ingleses, cerca de 600, na sua maioria veteranos da Guerra dos Cem Anos, chegados no dia da Páscoa, o exército português interceptou os invasores perto de Leiria.
Dada a lentidão com que os castelhanos avançavam, D. Nuno Álvares Pereira teve tempo para escolher o terreno favorável para a batalha, a sua opção recaiu sobre uma pequena colina de topo plano rodeada por ribeiros, perto de Aljubarrota, contudo o exército português não se apresentou ao castelhano nesse sítio, inicialmente formou as suas linhas noutra vertente da colina, tendo depois, já em presença das hostes castelhanas mudado para o sítio predefinido, o que provocou bastante confusão nas tropas de Castela.
A disposição das tropas portuguesas era a seguinte: a infantaria no centro da linha, uma vanguarda de besteiros com 200 archeiros ingleses, 2 alas nos flancos, com mais besteiros, cavalaria e infantaria, na retaguarda, aguardavam os reforços e a cavalaria comandados por D. João I de Portugal em pessoa, assim, a partir desta posição altamente defensiva, os portugueses puderam observar a chegada do exército castelhano protegidos pela vertente da colina.
A vanguarda do exército de Castela chegou ao teatro da batalha pela hora do almoço, sob o sol escaldante de Agosto, e ao ver a posição defensiva ocupada por aquilo que considerava os rebeldes, o exército castelhano, lentamente, devido aos 30 000 soldados que constituíam o seu efetivo, começou a contornar a colina pela estrada a nascente, pois a vertente sul da colina tinha um desnível mais suave e era por aí que, como D. Nuno Álvares previra, pretendiam atacar.
O exército português inverteu então a sua disposição e dirigiu-se à vertente sul da colina, onde o terreno tinha sido previamente preparado, pois o condestável D. Nuno Álvares Pereira, havia ordenado a construção de um conjunto de paliçadas e outras defesas em frente à linha de infantaria, protegendo assim esta e os arqueiros, um tipo de tática defensiva, muito típica das antigas legiões romanas.
Uma vez que o exército português era muito menos numeroso, e tinha um percurso mais pequeno pela frente, conseguiu atingir a sua posição final muito antes do exército castelhano se ter posicionado, e nesta posição final os portugueses ficaram na direção norte-sul e os castelhanos sul-norte, tendo Lisboa nas costas, as alas portuguesas essas apenas mudaram a sua posição relativa, sem precisarem de trocar de lugar, mudando apenas o sentido para onde estavam voltadas.
O rei de Castela envia emissários ao condestável: Diogo Álvares Pereira, outro irmão de D. Nuno, Pedro López de Ayala, e Diogo Fernandes, marechais de Castela, quiseram convencer o condestável, dada a diferença de poderio dos dois exércitos em confronto, ( são 7.000 homens sob o comando do Condestável D. Nuno Álvares Pereira , contra nada menos do que 30.000 homens do Rei de Castela ), a rejeitar o seu rei e juntar-se a eles, mas o condestável recusou e ameaçou mandar disparar contra eles caso n'ao regressassem para junto do rei invasor.
Pelas seis da tarde, os castelhanos, ainda não completamente instalados, mas tentando apanhar os Portugueses desprevenidos antes que a noite caísse, e acabar rápido com o que consideravam ser a fraca resistência das tropas portuguesas, em muito menor numero, decidem começar de imediato o ataque.
A batalha de Aljubarrota - o confronto
O ataque começou com uma intensa carga da cavalaria com o intuito de romper a linha de infantaria portuguesa, contudo as linhas defensivas portuguesas repeliram este ataque, pois a pequena largura do campo de batalha, que dificultava a manobra da cavalaria, as paliçadas feitas com troncos erguidos na vertical, separados entre si apenas pela distância necessária à passagem de um homem, não permitia a passagem dos cavalos.
Por outro lado, a chuva de virotes lançada pelos besteiros, auxiliados por 2 centenas de arqueiros ingleses comandados por Sir Leon Baade, fizeram com que, muito antes de entrar em contacto com a infantaria portuguesa, a cavalaria castelhana ficasse desorganizada, confusa e sofresse pesadas baixas.
Perante este ataque, com efeito nulo, perpretado pela cavalaria castelhana, e como o grosso do exército castelhano ainda não se encontrava perfilado no terreno, a retaguarda castelhana demorou bastante a conseguir prestar auxílio à cavalaria, e, em consequência disso, os cavaleiros que não morreram foram feitos prisioneiros pelos portugueses.
Refeitos deste revés inicial, a restante e mais substancial parte do exército castelhano já organizada atacou, mas a sua linha era bastante extensa pelo elevado número de soldados, e ao avançarem em direção aos portugueses, os castelhanos foram forçados a apertar-se de modo a caber no espaço situado entre os ribeiros, o que desorganizou as suas fileiras.
Vendo isso, D.Nuno deixou as hostes centrais a suster os avanços descoordenados dos castelhanos pelo afunilamento do terreno e retirou as suas hostes laterais, que avan
çaram fechando um cerco e atacando os desorientados castelhanos pelos flancos.
João I de Portugal então ordenou a retirada dos besteiros e archeiros ingleses, e enquanto a infantaria portuguesa sustinha os avanços castelhanos, a sua cavalaria atacou pela retaguarda através dos espaços abertos nas linhas castelhanas.
Desorganizados, sem espaço de manobra e finalmente esmagados entre os flancos portugueses e a retaguarda avançada, os castelhanos pouco puderam fazer senão morrer, e ao pôr do sol, a batalha estava já perdida para Castela.
Precipitadamente, o Rei de Castela ordenou uma retirada geral, mas sem poderem organizar uma cobertura, os castelhanos debandaram então desordenadamente do campo de batalha, e a cavalaria portuguesa lançou-se em perseguição dos fugitivos, dizimando-os sem piedade.
O próprio rei de Castela, debilitado e tendo estado presente na batalha numa liteira, foi transportado apressadamente a cavalo até Santarém, como forma de fuga aos portugueses que se encontravam em perseguição dos castelhanos, enquanto que alguns fugitivos procuravam esconde-se nas redondezas, mas apenas para acabarem mortos às mãos do povo.
Surge aqui uma tradição portuguesa em torno da batalha, uma mulher, de seu nome Brites de Almeida, recordada como a Padeira de Aljubarrota, iludiu, emboscou e matou pelas próprias mãos alguns castelhanos em fuga.
A batalha de Aljubarrota - consequência final
De qualquer forma, pouco depois, D. Nuno Álvares Pereira ordenou a suspensão da perseguição e deu trégua às tropas fugitivas. (vale destacar, que Nuno Álvares Pereira sagrou-se vencedor em todas as batalhas que enfrentou e sempre com menos combatentes que o opositor).
Com esta vitória, D. João I tornou-se no rei incontestado de Portugal, o primeiro da Dinastia de Avis, e para celebrar a vitória e agradecer o auxílio divino que acreditava ter recebido, D. João I mandou erigir o Mosteiro de Santa Maria da Vitória e fundar a vila da Batalha. Assim como, passados sete anos da batalha, o condestável D. Nuno Álvares Pereira, mandou construir a Ermida de São Jorge, em Calvaria de Cima, onde precisamente está o campo de militar de São Jorge, e onde ele no dia da batalha havia depositado o seu estandarte.
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória
No arranque das obras do Mosteiro da Santa Maria da Vitória, foi construído um pequeno templo, cujos vestígios eram ainda visíveis no princípio do século XIX, Santa Maria-a-Velha, também conhecida por Igreja Velha, uma obra pobre, feita com escassos recursos. onde se celebrava missa, dando apoio aos operários do estaleiro.
Em traços esquemáticos conhece-se a evolução do estaleiro propriamente dito e o grau de avanço das obras, sabe-se que ao projecto inicial corresponde a igreja, o claustro e as dependências monásticas inerentes, como a Sala do Capítulo, sacristia, refeitório e anexos.
A capela do Fundador, foi acrescentada a este projecto inicial pelo próprio rei D. João I, o mesmo acontecendo com a rotunda funerária conhecida por Capelas Imperfeitas, da iniciativa do rei D. Duarte, já o claustro menor e dependências adjacentes, ficaria a dever-se à iniciativa do rei D. Afonso V.
O Mosteiro foi restaurado no século XIX, sob a direcção de Luís Mouzinho de Albuquerque, de acordo com a traça de Thomas Pitt, que dera a conhecer por toda a Europa o mosteiro através das suas gravuras. Neste restauro, o Mosteiro sofreu transformações profundas, designadamente pela destruição de dois claustros, junto das Capelas Imperfeitas e, num quadro de extinção das ordens religiosas em Portugal, pela remoção total dos símbolos religiosos, procurando tornar o Mosteiro num símbolo glorioso da Dinastia de Avis.
Data dessa altura a actual configuração da Capela do Fundador e a vulgarização do termo Mosteiro da Batalha (celebrando Aljubarrota) em detrimento de Santa Maria da Vitória, numa tentativa de erradicar definitivamente as designações que lembrassem o passado religioso do edifício.
Em 2016, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, passou a ter o estatuto de Panteão Nacional, sem prejuízo da prática do culto religioso, juntamente com o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa, à semelhança do que aconteceu em 2003 com o Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra), relativamente ao Panteão Nacional original desde 1966 na Igreja de Santa Engrácia em Lisboa.
No Mosteiro da Batalha estão sepultados D. João I, D. Filipa de Lencastre, o infante D. Henrique, o infante D. João, D. Isabel, D. Fernando, D. Afonso V, D. João II, D. Duarte e também o Soldado Desconhecido.
A construção do Mosteiro
A construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Mosteiro da Batalha) começou em 1387 e estendeu-se até cerca de 1533, mobilizando recursos humanos e materiais extraordinários para a época, como se pode avaliar ainda hoje visitando a sua grandiosidade, e a sua construção proporcionou a introdução e o aperfeiçoamento de algumas técnicas construtivas e artísticas em termos de ornamentação arquitectónica em Portugal.
As obras iniciaram-se sob a direcção do arquitecto português Afonso Domingues, nascido em Lisboa em meados do século XIV, que tinha ganho fama e experiência na reconstrução Sé Catedral de Lisboa, e também como autor do projecto da Sé Catedral da Guarda, ele foi o responsável pela primeira empreitada de construção do Mosteiro da Batalha, iniciada em 1388 e embora deixasse o templo quase totalmente configurado, não pôde finalizar a construção da obra pois viria a falecer em 1402.
Dessa fase resultaram grande parte das estruturas da igreja, e também duas alas do claustro, no entanto devido à avançada idade e a um problema de cegueira de Afonso Domingues, este foi afastado do projecto, desgostoso, nunca se conformou com o facto do rei lhe ter retirado a direcção daquela obra de arte.
As obras ficaram então a cargo de Mestre Huguet, arquitecto provavelmente catalão segundo alguns, irlandês segundo outros, e o projecto veio a sofrer uma mudança radical, pois este introduziu no Mosteiro da Batalha o estilo gótico flamejante, e a este período correspondem as abóbodas da igreja e da Sala do Capítulo, a construção da Capela do Fundador e o início das obras das Capelas Imperfeitas, até hoje não concluídas, tornando-as conhecidas como capelas inacabadas.
Em 6 de Janeiro de 1401, o povo acorreu o ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, para assistir ao Auto de Celebração dos Reis que teria a presença de D. João I, o mosteiro, nessa altura ainda não se encontrava concluído, e D. João I vinha desejoso de visitar a Casa do Capítulo do Mosteiro, que mestre Huguet tinha recentemente concluído, seguindo o traçado dos projectos de Afonso Domingues, à excepção da abóbada que cobria o Capítulo, pois no seu entender seria impossível concretizar a abóbada imaginada por Afonso Domingues por esta ser muito achatada e, sem consultar o mestre português, decidiu concluí-la de outra forma.
Como D. João I tinha chegado atrasado, resolveu assistir ao Auto dos Reis na igreja, deixando a visita da Casa do Capítulo para o dia seguinte, e em boa hora o fez, pois estava mestre Huguet no Capítulo, vangloriando-se da sua supremacia sobre o mestre português, quando reparou com horror nas fendas que se abriam na abóbada e que ameaçavam a sua queda.
Huguet irrompeu pela igreja como um possesso, dizendo, entre muitas frases incongruentes, que o mestre Afonso Domingues lhe tinha enfeitiçado o trabalho, pensando que este se encontrava possuído pelo Demónio, os frades acorreram a exorcizá-lo perante o grande espanto do Rei, e Huguet caiu desmaiado ao mesmo tempo que um tremendo estrondo anunciava a queda da abóbada da contígua Casa do Capítulo, apenas 24 horas depois de ter sido concluída.
D. João I chamou então Afonso Domingues à sua presença e nomeou-o novamente mestre das obras do mosteiro, a construção da abóbada foi então retomada, agora seguindo o seu primitivo traçado.
Chegou assim o grande dia em que foram retiradas as traves dos simples que sustentavam a abóbada, apenas foi deixada no centro da sala uma pedra onde ficou sentado Afonso Domingues. A abóbada não caiu e o velho mestre ficou sentado naquela pedra, sem comer nem beber durante três dias, cumprindo um voto que tinha feito a Cristo, e ao fim do terceiro dia, o Rei recebeu a triste notícia de que o grande arquitecto português tinha morrido nao sem antes proferir as palavras "A abóbada não caiu.... a abóbada não cairá!".
Da pedra sobre a qual Afonso Domingues acabou os seus dias foi esculpida uma estátua em sua memória, que foi colocada na Casa do Capítulo, honrando assim um dos maiores mestres arquitectos de todos os tempos.
Caracterização arquitectónica
Descrição
Conjugando as tendências do gótico internacional com as do gótico mediterrânico, o mosteiro é composto por um núcleo central, o Claustro Real, à volta do qual estão articulados a igreja e os outros sectores conventuais. A igreja desenvolve-se no sentido nascente-poente, no lado Sul do claustro,e no lado Norte situa-se o segundo claustro, de D. Afonso V.
A visão global do edifício dá-nos uma perspectiva de horizontalidade que remete para a expressão volumétrica característica do gótico meridional, no interior, no entanto, a igreja revela uma verticalidade bastante acentuada, dotando o conjunto de uma harmonia específica.
A igreja com uma planta de cruz latina, é composta por três naves, sendo a central mais larga e elevada que as colaterais, por um transepto muito saliente, e uma cabeceira formada por uma ábside principal e duas absidíolas de cada lado, completam a sua planta a Capela do Fundador, disposta em forma quadrangular na fachada Oeste e as Capelas Imperfeitas, de planta octogonal, situadas por trás da cabeceira da igreja.
No interior do templo, a conjugação das diferenças de altura das naves e a relação com a sua pouca largura aumentam a impressão de verticalidade e dotam a igreja de uma imponente monumentalidade.
A fachada principal da igreja é particularmente interessante, um corpo central mais elevado, e mais marcado pela decoração, assinala a nave central, e no pórtico, enquadrado por seis arquivoltas, uma profusão de figuras esculpidas completam o conjunto, que por sua vez é centralizado por um baixo-relevo onde se vê a representação de Cristo em Magestade, ladeado pelos apóstolos num belo trabalho escultórico.
A Capela do Fundador, é das mais importantes partes do conjunto do mosteiro, tem uma planta quadrada encimada por uma cobertura em cúpula octogonal, sustentada por oito pilares dispostos nos ângulos do octógono, de forma oblíqua em relação às paredes, criando-se assim, no interior do quadrado, um espaço centralizado, onde se encontra o túmulo de D. João I e D. Filipa de Lencastre, num exemplar trabalho da escultura tumulária gótica nacional.
Em arcosólios, podem ver-se os também os túmulos dos Infantes da Ínclita Geração, designadamente, D. Fernando, D. Pedro (e sua mulher Isabel de Urgel), D. João (e a esposa D. Isabel), D. Henrique, o Navegador, além dos reis D. Afonso V e sua mulher Isabel, D. João II e de seu filho D. Afonso.
A Norte da Igreja situa-se o Claustro Real, de planta quadrada, com 50 m de lado e arcadas ogivais, projetado e iniciado por Afonso Domingues na primeira fase da obra do Mosteiro. Completado por Huguet, na sequência da obra de Domingues, foi alterado no período manuelino por Boitaca, ganhando exuberante decoração nas arcadas, sendo considerado um dos mais interessantes trabalhos da estética manuelina.
No lado oriental do Claustro encontra-se a Sala do Capítulo, de formato quadrado, construída durante a primeira campanha de obras do mosteiro, de modo audaz para a época, utilizando uma abóbada em forma de estrela de oito pontas, e na parede do fundo desta sala, rasga-se uma janela gótica com vitrais do séc. XVI, representando cenas da Paixão de Cristo.
Os vitrais do mosteiro da Batalha, porventura os mais antigos utilizados no país foram, no entanto, devido à sua fragilidade, várias vezes substituídos. Existem painéis com diversas datações, inclusive modernos, colocados num restauro efetuado nos anos 30 deste século, merecem destaque, para além deste vitral na Sala do Capítulo, outros, existentes na Capela do Fundador e na Capela-mor.
A Norte do Claustro Real desenvolve-se o segundo claustro do mosteiro, denominado D. Afonso V, de menores dimensões e mais simples que o antecedente, este claustro gótico representa bem o espírito da época de D. Afonso V, assumindo um caráter mais monástico e menos monumental que o Claustro Real, possui apenas dois níveis e à sua volta desenvolviam-se exclusivamente dependências de cunho conventual.
Atrás da ábside da igreja encontram-se as Capelas Imperfeitas, assim designadas por nunca terem sido concluídas, projetadas inicialmente sob encomenda de D. Duarte, para seu panteão, Huguet idealizou-as utilizando novamente a disposição octogonal, inserindo sete capelas simétricas e um grandioso portal, entre um átrio e a cabeceira da igreja.
A obra foi retomada durante o reinado de D. Manuel, quando Mateus Fernandes fez o portal principal, com exuberante ornamentação escultórica, em rendilhado de pedra e além do portal, fazem também parte das obras manuelinas, a decoração dos arcos das capelas.
No período de D. João III, sob a orientação de João de Castilho, foi edificado um segundo nível sobre as capelas, sendo aí colocada uma loggia renascentista (1533), que completa o conjunto de forma harmoniosa, ainda que inacabado e feito em sucessivas fases.
Na parte posterior do Mosteiro e, no seu lado Norte-Nordeste, existiram ao tempo dos frades dominicanos várias dependências ligadas ao conjunto monástico, incluindo um terceiro claustro, destruído por um terramoto, uma pequena capela gótica construída para servir a comunidade local e terrenos pertencentes à ordem que serviam para atividades agrícolas. Actualmente, o conjunto do mosteiro é definido pelo edifício monumental que engloba os claustros e a igreja.
Conclusão
De facto não restam dúvidas que o Mosteiro da Batalha se assumiu como um depoimento de poder real e da autonomia de um reino. O facto de D. João I mandar erguer um panteão para si e para a sua família é sinal desta mística dinástica sem precedentes. O Mosteiro da Batalha foi um projecto de legitimação de uma nova dinastia, a dinastia de Avis: daí a dimensão da obra – sinal de capacidade financeira e de poder de realização.
Efectivamente, o Mosteiro da Batalha difere da restante arquitectura portuguesa e destaca-se na paisagem artística nacional com o seu sinal de mudança
Fontes>
e-cultura – O Mosteiro da Batalha
DGPC – O Mosteiro da Batalha
Cidade e Cultura - Mosteiro da Batalha – história, cultura e beleza.
Traço de União – História do Mosteiro da Batalha
Wikipédia – Mosteiro da Batalha
Wikipédia – A batalha de Atoleiros
Wikipédia - A batalha de Aljubarrota
Wikipédia – D. João I de Portugal
Freemason – O Mosteiro da Batalha

Publicação de João Luis Gomes.

Boa pesquisa.


 

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