segunda-feira, 30 de março de 1992

A Igreja da Conceição dos Freires ou Conceição Velha, ou Igreja da Misericórdia em Lisboa, Portugal.













A Igreja da Conceição Velha
Nota Introdutória do autor:
Depois de bastantes comentários apreciativos sobre a postagem acerca da capela de Nossa Senhora da Saúde, verifiquei, embora sem espanto, que muitos Lisboetas ignoram muitos dos pequenos tesouros da sua cidade. Assim voltei ao tema das Igrejas e Capelas de Lisboa, para vos apresentar outra jóia escondida da nossa cidade. Quantos já passaram de eléctrico, de carro, ou a pé pela Rua da Alfandega e em frente a uma igreja manuelina? Quantos? Pois é muitos passam à porta e não sabem o que se encontra por detrás daquela porta. Mas vamos ao tema.
A sua Origem
A Igreja da Conceição dos Freires, ou Conceição Velha, (inicialmente conhecida como Igreja da Misericórdia) era uma igreja da freguesia da Madalena, no concelho de Lisboa, e estava a cargo da Irmandade da Misericordia.
Em 1 de novembro de 1755, o terremoto de Lisboa destruiu parcialmente esta Igreja, resultando na destruição de parte do tecto abobadado e de um campanário sobre o portal lateral. Um incêndio, desencadeado após o acontecimento, consumiu o orfanato anexo, e grande parte da igreja, excepto a capela do Santíssimo Sacramento e o retábulo da Capela do Santo Cristo dos Padecentes. A igreja ficou assim em ruínas, inviabilizando a sua reconstrução devido ao novo plano da cidade.
Em 1768, a partir de uma carta de D. José, a Irmandade da Misericórdia, instalou-se na Igreja de São Roque, que ficou vaga após a expulsão dos Jesuítas, e a ex-Igreja da Misericórdia foi então reconstruída com uma nova orientação, reaproveitando alguns dos materiais e algumas das suas estruturas, sob a direção de Francisco António Ferreira e Honorato José Correia em 1770.
A capela do Santíssimo Sacramento foi então transformada em presbitério e o pórtico sul foi transformado em portal principal, resultando numa reorientação da nave ao longo de um acesso norte-sul. As freiras da Ordem de Cristo, transferidas para a nova igreja após a sua reconstrução, trouxeram consigo a sua Santa padroeira, Nossa Senhora da Conceição, e daí a sua denominação de Conceição Velha, em contraponto com a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, uma Igreja já existente naquela data.
A sua Hist ória
Em 1834, as ordens religiosas foram abandonadas e a igreja desabitada, e por volta de 1837, a igreja esteve mesmo sob ameaça de venda, para ser destruída e substituída por edifícios comerciais / residenciais, mas a Irmandade de Leigos, que administrava a igreja, conseguiu uma restauração superficial do edifício e evitar assim a sua destruição.
Entre 1936 e 1940, o vigário informava o público da necessidade de terminar as obras de restauro da igreja e dos seus anexos, devido à infiltração de água, que arruinava as coberturas, esquinas, estuques e caixilharia, foi então solicitado à DGEMN – Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, a realização das reparações necessárias e a DGEMN interveio pela primeira vez em 1938, com a reparação da calha e o levantamento do passeio da frente da igreja, seguido em 1942 pela reparação dos degraus e grades dos altares, a substituição dos pisos de madeira, pedra e azulejos, a limpeza da cantaria exterior do edifício, e a reparação das juntas.
Mas, mesmo assim, depois da ultima intervenção da DGEMN, já em 1947, o estado da igreja piorou no ano seguinte, com as chuvas que invadiram a igreja e um cano quebrado na sacristia, que resultou no apodrecimento dos pisos de madeira que tiveram que ser substituídos.
Em 1952, procedeu-se ao inventário das imagens da Igreja, existiam então 40 figuras em madeira e pedra, localizadas em vários nichos e altares do sub-coro, nave, presbitério e anexos dependentes, e atendendo ao estado de conservação da estrutura, foi determinado que o órgão, fosse retirado do local e instalado na Igreja Matriz de Freixo de Espada-à-Cinta.
Mas, ainda assim, a infiltração de água e a humidade continuaram a degradar o pavimento e a cantaria da igreja, e em 1954, os azulejos foram reparados, o que incluiu a consolidação e pintura da Capela do Senhor dos Passos, e a reparação das paredes, tectos e corredor de acesso à Rua dos Bacalhoeiros. Reparos semelhantes foram ainda concluídos em 1955, incluindo a pintura das portas, reboco das superfícies interna e externa. e novos pisos de madeira na sacristia, já o telhado foi reparado entre 1965-1967.
Em 1959, o Prior denuncia o estado de degradação da sacristia, do corredor de acesso à Rua dos Bacalhoeiros e do piso do presbitério. A DGEMN interveio uma vez mais e o piso de madeira do presbitério foi substituído por pedra, as paredes do corredor de acesso ao vestíbulo da sacristia reparadas, as portas pintadas, os painéis e tetos recuperados, e a arcada foi limpa, e as paredes pintadas com tintas à base de água e um isolante.
O edifício foi totalmente interligado à rede eléctrica em 1964, e em 1966, foi efectuada a revisão do reboco interior, reparação e conservação das portas principais. Mais tarde, em 1968, com um esforço para tornar o edifício "à prova de fogo", a porta exterior foi restaurada, uma nova avaliação das instalações elétricas foi concluída, extintores de incêndio foram instalados, e foi efectuada uma limpeza geral, com remoção de poeira e fezes de pássaros, retocagens do gesso, preenchimento de fissuras e reparo de juntas, bem como efectuada a instalação do sistema de som.
Nos anos que se seguiram houve necessidade de diversas intervenções mais para efeitos de melhorias e reparações no edifício, e em 1980, o LNEC – laboratório Nacional de Engenharia Civil realizou um estudo da pedra, para detecção de sinais de degradação, com base em avaliações físicas, químicas e petrográficas. Essas investigações foram acompanhadas, em 1983, pela conservação e limpeza da fachada, com mangueiras hidráulicas para retirada da sujidade, foi efectuada a pintura das grades das janelas, as portas foram envernizadas, os vidros foram substituídos, e as rachaduras e juntas foram reparadas na fachada principal.
Em 22 de agosto de 2006, o Conselho Nacional de Cultura indicou a sua vontade de classificar a igreja como Zona Especial de Proteção juntamente com o Castelo de São Jorge, os restos das muralhas históricas de Lisboa, a Baixa Pombalina e várias outras propriedades nas proximidades da igreja. Um despacho da direção do IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico uma semana depois acatou esta sugestão, e a partir daí a estes conjuntos arquitectonicos integram a Zona Especial de Protecção da Baixa Pombalina.
A sua Arquitectura
A igreja localiza-se na zona do "barranco" da Baixa Pombalina, ladeada por edifícios de altura comparável e voltada para a rua. Está implantado perto de muitos dos edifícios e monumentos históricos comparáveis, como a Sé Catedral de Lisboa, a Igreja da Madalena, a Igreja de Santo António, a Casa dos Bicos e a Praça do Comércio. A igreja primitiva estava localizada neste local, e na altura era o segundo maior templo manuelino em Lisboa, perdendo apenas para o Mosteiro de Santa Maria de Belém (os Jerónimos).
A igreja é constituída por dois espaços rectangulares justapostos, constituídos por nave única e capela-mor, com sacristia, espaços de arrumação, pátios laterais e corredor, articulados e cobertos de forma diferenciada com azulejos. O frontispício, virado a sul, é constituído por pilastras angulares coroadas por um frontão triangular, com um tímpano (o timpano é um espaço geralmente triangular ou em arco, liso ou ornado com esculturas, limitado pelos três lados do frontão, por um ou mais arcos ou por linhas retas que assenta sobre o portal de entrada de uma igreja, catedral ou templo ) marcado por óculo elíptico.
O pórtico é enquadrado por decoração manuelina, com portas de arco duplo com nicho, enquadradas por pilastras em relevo, ornamentadas com as esculturas do Anjo da Anunciação e da Virgem (Maria) em nicho, unidas por arco romano e flores nas ombreiras, encimada por duas esferas armilares e cruz da Ordem de Cristo. No tímpano, em baixo relevo está a figura de Nossa Senhora da Misericórdia, e janelas laterais, emolduradas por colunas segmentadas, completam a fachada, com muita decoração, incluindo imagens dos santos.
Os elementos manuelinos concentrados na fachada principal são reconstruídos a partir das ruínas da fachada lateral (sul) da Igreja da Misericórdia, destruída durante o terramoto de Lisboa de 1755, e foram reaproveitados para este projecto. Primeiramente, esses elementos eram as decorações nas faces internas do pórtico (as urnas, medalhões, máscaras, cornucópias, animais fantásticos, esfinges e pássaros), as formas vegetais (folhas, flores) e os elementos zoomórficos (pássaros, dragões e cães) .
O pórtico é marcado por duas pilastras esculpidas, constituindo um grande arco, contendo dois arcos menores do mesmo perfil, erguendo-se de uma base simples, mas em corpo multifacetado, as pilastras são trifacetadas, com decoração em relevo médio e estatuária. Nas faces internas, encontramos seis querubins ajoelhados voltados para as portas e nas facetas exteriores encontram-se diversos elementos decorativos, que incluem urnas, animais fantásticos, cabeças de anjos, emblemas, cornucópias, medalhões e outros elementos vegetais estilizados, dominados por dois nichos de cada lado.
Esses dois nichos, com cachorros e dossel, contêm as figuras do Anjo Gabriel (à direita) e da Virgem Maria (à esquerda), com as pilastras acima dos nichos, semicirculares e estriadas, estendendo-se em pináculos, encimadas por esferas armilares. Estas pilastras estão unidas acima do pórtico principal, por uma linha de decoração vegetal que emoldura a periferia do portal e o exterior do arco principal é decorado com o escudo real, coroado por uma guirlanda e cruz de haste da Ordem de Cristo, dividindo a pedra angular.
O arco duplo é delimitado externamente por colunas e molduras retangulares, e decorado com motivos fitomórficos, e o pilar que divide os dois arcos inclui um pequeno nicho com a imagem do Arcanjo Miguel, segurando uma balança no braço direito e espada no esquerdo, e decorado com formas geométricas.
O tímpano possui dois registros:
No primeiro há dois semicírculos invertidos com enfeites de cornucópias e figuras de animais e tangentes aos arcos das portas estão medalhões com busto clássico, enquanto na periferia há imagens em relevo.
No segundo, uma forma semi circular contém um conjunto esculpido de figuras que representam o símbolo clássico da Misericórdia, ou Mater Omnium, a Virgem Maria, segura por dois anjos, sobre as figuras que representam o Papa Alexandre VI, o Padre Miguel Contreiras, um bispo e cardeal (todos à direita), e a Rainha Eleonor, o Rei D. Manuel e dois prelados (à esquerda).
As janelas que ladeiam o pórtico seguem também os mesmos motivos, decoradas com motivos vegetalistas, com pilares que se estendem até pináculos e encimados por flor. Os pilares laterais são esculpidos com formas de cordas e elementos vegetais, sobre bases decoradas com elementos e vegetais, e frisos de folhagem. Em cada batente encontra-se um nicho com as imagens de Santo André e São Tiago (à direita) e São Bartolomeu e São Jerónimo (à esquerda).
A nave é composta por um coro assente sobre pilares de pedra, e tecto abobadado em estuque, possui ainda uma pia baptismal e um púlpito elevado à esquerda do altar, e seis capelas laterais. projetadas em arco romano, que incluem retábulos em talha dourada, todas revestidas de elementos vegetais e uma cerca de madeira separa as capelas do resto da nave. O último altar, mais profundo do que o resto, inclui imagens da Última Ceia e uma pintura do tecto do Espírito Santo.
O tecto abobadado é pintado com a representação do Triunfo de Nossa Senhora da Conceição, e inclui elementos moldados e emoldurados, bem como a sinete da Virgem Maria. Este tecto figurativo e simbólico, em azul, ouro e ocre, retrata as figuras de um anjo com lança matando um dragão sobre um globo e a Virgem está localizada sobre um crescente lunar, coroado por estrelas, sendo abençoado por Deus, com nuvens e cabeças de anjos preenchendo o resto.
A cena principal é emoldurada por motivos arquitetônicos, cabeças de anjos colocadas seletivamente nas direções cardeais e arcos formando um friso arquitetônico. No exterior o medalhão é decorado com motivos vegetais (principalmente folhas), sendo a área acima do presbitério a mais decorada. Entre os arcos estão diversas representações de anjos, um com uma balança na mão direita e uma espada na outra, outros com flores, outros com trombetas, e um anjo guardando um turíbulo em sua mão direita, com flores em torno do grupo.
O altar simétrico de três andares e a parede do presbitério são marcados por um arco triunfal romano com frontão de acesso ao altar, ladeado por portas com dois nichos (com as imagens de São Pedro e São Paulo respectivamente) e, por duas janelas
O presbitério tem paredes rítmicas de mármore com pilastras, rematadas por tecto abobadado, com painéis pintados, retábulo de talha dourada e altar com a imagem de Nossa Senhora da Conceição. A sacristia retangular, que é acessada pelo corredor estreito norte, é confinada por um pátio retangular.
Nota final do autor:
Agora já sabe, quando passar pela Rua da Alfandega, faça uma breve paragem e visite esta Igreja, ignorada por muitos lisboetas, apesar de passarem centenas de vezes à sua porta.
Fontes:
GetLisbon – Church of Nossa Senhora da Conceição Velha
Wikipedia – Igreja da Conceição Velha
Lisbon Guide – Church of Conceição Velha
Luís de Macedo - O Terramoto de 1755 na Freguesia da Madalena
Mário de Sampaio Ribeiro - A Igreja da Conceição Velha

Publicação de João Luis Gomes.

Boa pesquisa.


 

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