Batalha de
Roncesvales (778): a morte de
Rolando (iluminura de Jean Fouquet, "Grandes Chroniques de France",
1455-1460, BNF). Fonte:
A Canção de Rolando ou canção de gesta, surgiu mais de três séculos do infeliz episódio
de Roncesvalles. Datam-na aproximadamente do ano de 1.100, quando se supõe que
ela deva ter sido finalmente escrita. Desde então foi apresentada nas cortes francesas
e alemãs pelos bardos e trovadores itinerantes, servindo como relato épico e
mito da dinastia carolíngia, apresentada como a campeã da defesa da
Cristandade contra o Islã.
A
fértil imaginação do romantismo cavalheiresco, inflamou-a com episódios e
personagens de ficção. Até um pérfido traidor foi incluído: Ganelon, um
invejoso, o imaginado sogro de Rolando que o traiu para os árabes.
A famosa canção de gesta divide-se em dois momentos: no primeiro deles descreve a resistência de Rolando em Roncesvalles, quando perde Veillantif, o seu corcel, e vê tudo perdido, tentando inutilmente quebrar a sua espada Durindana, golpeando-a numa rocha para não deixá-la cair nas mãos dos inimigos. O intrépido cavaleiro morre heroicamente em meio á intensa e feroz peleja.
A famosa canção de gesta divide-se em dois momentos: no primeiro deles descreve a resistência de Rolando em Roncesvalles, quando perde Veillantif, o seu corcel, e vê tudo perdido, tentando inutilmente quebrar a sua espada Durindana, golpeando-a numa rocha para não deixá-la cair nas mãos dos inimigos. O intrépido cavaleiro morre heroicamente em meio á intensa e feroz peleja.
“Então Rolando sentiu que perderia a vida/ Ele se
ergue, faz todo o esforço que pode/ a cor do sua face se fora...Então Rolando
sente que o seu tempo terminou/ Ele lá está, no alto cume que se volta para a
Espanha/ ele bate no peito com uma mão: Deus perdoe-me em nome das tuas
virtudes, por meus pecados, grandes e pequenos, todo os que eu cometi desde a
hora do meu nascimento até esse momento em que estou para ser batido.” Chanson de Roland.
Um
pouco antes do desenlace final, o valente conde conseguira soprar a trombeta
que o rei Carlos lhe dera para ser usada somente em caso de máximo perigo.
Instrumento cujo sopro somente o pulmão dele, de Rolando, sabia dar. Pedido de
socorro que revelou-se tardio, pois a alma do herói, por ocasião da chegada do
socorro, já fora conduzida aos céus:
“São Gabriel o pegou pela mão/ Deus enviara seu anjo querubim/ E São Miguel do Peril de la Mer juntou-se a São Gabriel para levar a alma do conde ao Paraíso.”
Num
segundo momento, a gesta narra a vingança de Carlos Magno apresentando como a
imagem de um poderoso patriarca, ideal do soberano universal, eleito por Deus e
guiado por ele. Além de expor a traição de Ganelon (executado depois de uma
justa, obedecendo o costume da Lei de Deus), Carlos Magno põe a correr os árabes
(a participação dos bascos cristão na batalha de Roncesvalles e na morte de
Rolando foi suprimida da gesta). Recolhe então o cadáver de Rolando e retorna
para o seu palácio imperial em Aix-la Chapelle, para consolar a bela Aude, a
dama amada do sobrinho defunto.
Antes
disso, ainda nos Pirineus, o rei ajoelhou-se no alto do pico de Iba�eta � � o
Códice Calixtino quem registrou, e fez uma oração com a face voltada para Compostela
(local distante da Galícia celta que seria mais tarde centro de peregrinação
cristã), e providenciou o sepultamento dos seus Doze Pares numa pequena capela
funerária de Sancti Spiritus, em Roncesvalles mesmo. O espadachim
caído, o campeão de Carlos Magno, elemento dramático da canção de gesta, servir
de modelo, o protótipo do cavaleiro virtuoso, fiel até ao fim ao seu soberano,
exemplo a ser imitado pelos demais cavaleiros feudais.
Santiago de Compostela
As
proporções que devoção a Santiago de Compostela tomou em toda a Espanha
medieval, somente pode ser entendida no contexto da invasão muçulmana. O
fracasso de Carlos Magno e, depois, de seu filho Luís, rei da Aquitânia, em
espantar os mouros da Ibéria, criou as condições psicológicas para que a população
cristã, frustrada, encontrasse um símbolo que a permitisse resistir ao
assombro da gente do Islã. O santo serviu-lhes como elixir e bálsamo para
superar o complexo de inferioridade dos cristãos frente aos mouros.
Tudo
começou pelo ano de 813, quanto um eremita de nome Pelayo, seguido de alguns
pastores, deparou-se com uma estranha luminosidade que espalhava-se sobre um
pequeno bosque nas proximidades de um monte do interior da Galícia chamado
Libredon. A paisagem, em certos momentos, ficava tão clara que parecia-se a um
campo estrelado (Campus Stellae = Compostela). Teodomiro, o bispo local,
informado do estranho fenômeno, soube que a luz focara no chão uma antiga arca
de mármore. Nela tería-se encontrado os restos humanos do que atribuiu-se ser o
Apostolo Santiago (isto é, São Iago, São Jacó, o filho de Zebedeu, irmão de João
Evangelista).
Uma
história antiga que corria de boca em boca entre os cristãos ibéricos dizia que
o Apóstolo andara, séculos antes, em missão pela Espanha determinado a
evangelizá-la, mas que ao voltar à Palestina teria sido decapitado pelo rei
Herodes Agripa, no ano de 44. O corpo dele então, acomodado num sepulcro de mármore,
fora colocado a bordo de um barco no porto de Jaffa e lançado ao mar.
Sem
tripulação, sem leme nem nada, soprada apenas pelo vento , a nau teria vindo
aportar nas costas da Galícia, região da Espanha que os romanos chamavam então
de Finis Mundi. Recolhida da praia, a arca fora enterrada num compostum,
um cemitério romano-galego daquele tempo. Durante os séculos seguintes, ninguém
mais tomou conhecimento dela, até que começaram a ocorrer aquelas iluminações esplendidas,
encantadas que o bispo Teodomiro consagrou.
Santiago Matamoros.
O
sensacional e miraculoso achado, que logo atraiu o rei astur-leonãs Afonso, o
casto (789-842), e sua corte para lá, fez com que lá fixassem a pedra da
primeira igreja dedicada ao Apóstolo. Não demorou para que a boa nova,
comunicada por Afonso ao próprio Carlos Magno, circulasse como um raio pelo Império
do Ocidente, abrindo caminho para que se dessem os milagres. E as peregrinações
então não mais cessaram, fazendo com que num curto espaço de tempo, o santuário
de Compostela tivesse a mesma importância para os cristãos das romarias
dirigidas à Roma e das que os muçulmanos faziam para visitar a Caaba, a pedra
sagrada de Meca. Na
tida como fantasiosa batalha de Clavijo, travada em 834, o rei Ramiro I, de
Aragão, no aceso do combate, viu-se ajudado por um desconhecido ginete montado
num cavalo branco que dava espadaços na mourama. Sentiu que estava ao lado do
Apóstolo, desde então transformado em Santiago Matamoros, aparição mágica,
fundamental na vitória dele contra o emir Abderraban II:
Santiago el de Espanha. los mis moros me matou, desbaratou mi companhia,
la mi senha quebranto...Santiago glorioso, los moros fizo morir;
Mahomat el Perezoso, tardo, non quiso venir
la mi senha quebranto...Santiago glorioso, los moros fizo morir;
Mahomat el Perezoso, tardo, non quiso venir
(Santiago da Espanha/ matou os meus mouros/ desbaratou minha companhia/ quebrou minha senha/ Santiago glorioso fez os mouros morrerem: Maomé o Preguiçoso, tardou, não quis vir).
Outras
delas, dessas repentinas ações milagrosas do santo - um missionário da paz
transformado inspirador da guerra -, ocorreram na longa batalha movida pelos
reis espanhóis contra o Califado de Córdoba ou contra os ditos reinos dos
Taifas, que mais tarde o sucederam. Percebendo a importância simbólica do
sepulcro de Compostela para o ânimo dos cristãos, Almanzor (El-Mansur), o Seyd,
ministro do califa de Córdoba, realizou no ano de 997 uma inesperada sortida
relâmpago na região da Galícia. Não só saqueou e destruiu o santuário com a
primeira basílica, como levou consigo o sino e as portas dela, transportadas até
o sul, até Córdoba, nos ombros de cristãos escravizados.
O
santo tornou-se o maior ícone dos cristãos na sua oposição desesperada à presença
dos interesses de Maomé na Espanha, fazendo com que o seu sepulcro se tornasse
fonte de atração permanente para os peregrinos vindos de todos os lugares da
Europa, percorrendo os Caminhos de Santiago. Para dar proteção a eles duas
ordens militares então surgiram: a de Calatrava (1158) e a de Santiago (1173).
O êxito da campanha da Reconquista, que culminou bem mais tarde com a ocupação
do Reino Nasar de Granada em 1492, foi largamente depositado pelos cristãos nos
feitos impressionantes, assombrosos, de Santiago Matamoros. Este, por sua vez,
fora promovido por Ramiro I, desde sua mágica aparição em Cravijos, a protetor
oficial da luta contra os mouros a quem toda Espanha devia obrigações:
"...ordenamos
por toda Espanha e hicimos voto, que se ha de guardar en todas las partes de Espanha
que Dios nos conceda librar de los sarracenos por la intercesion del Apostol
Santiago, de pagar perpetuamente cada anho a manera de primicias de cada yugada
de tierra una medida de la mejor mies, y lo mismo del vino, para el
mantenimiento de los canânicos que residen en la iglesia del bienaventurado
Santiago y para los ministros de la misma iglesia".
(ordenamos
e fizemos voto que por toda a Espanha, que se há de guardar por todas as partes
da Espanha, que Deus nos conceda livrar-nos dos sarracenos pela intercessão do
Apóstolo Santiago, de pagar perpetuamente a cada ano, a maneira de primácias
sobre cada jeira de terra uma medida da melhor colheita, o mesmo de vinho, para
a manutenção dos padres que residem na igreja do bem aventurado Santiago e para
os ministros da mesma igreja).
Assim,
por fim, as duas pontas da mal sucedida campanha de Carlos Magno terminaram por
se juntar. O lugarejo de Roncesvalles foi considerado naqueles tempos, o ponto
de partida dos cristãos em sua peregrinação em direção a Santiago de
Compostela, e esse santo, Padroeiro da Espanha Medieval, projetou-se justamente
para ocupar o vazio psicológico deixado pelo insucesso das armas dos francos.
Fonte:
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/antiga/2003/10/21/000.htm
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