quarta-feira, 1 de junho de 2011

Peça Teatral de William Shakespeare.

Para matar a saudade, vou dividir com vocês, uma peça teatral de William Shakespeare, que apresentamos na faculdade. Aos colegas que fizeram parte, fica a saudade e a lembrança de dias felizes.
š
Noite de Reis
ou
O que quiserdes
š

de William Shakespeare

š CENA I  š
Naufrágio
Entra Bobo marionete.
BOBO-
Vou lhes contar uma história
Ouçam com atenção
oli-olé
Ao vento, a chuva
Triste ou alegre
seja lá como for
pois a chuva caia
todos os dias.

Entra Viola e Sabastian.
Uma vez, na noite de reis ou o que quiserdes, um navio que seguia para Messalina foi violentamente atingido por uma tempestade. Dentro dele, os gêmeos, Sebastian e Viola, que só tinham um ao outro no mundo, não puderam fazer nada contra o perigo que se aproximava. Fortes correntes e o navio que afundava separaram aquilo que nada jamais havia separado. Viola, a jovem irmã, foi parar num país distante: Ilíria. Sua sorte foi a ajuda prestada por um capitão que morava naquele lugar, que lhe deu abrigo e ajuda necessária para enfrentar a dor ocasionada pela perda do irmão. Porém, era chegada a hora de seguir sua própria vida.
VIOLA- Quem governa aqui na Ilíria?
CAPITÃO- O Duque de Orsino.
VIOLA- Ah... Sim... Meu pai falava muito dele em Messalina, minha terra. Naquele tempo ainda era solteiro.
CAPITÃO- E ainda é, solicita o afeto da graciosa Olivia que o renega incessantemente. Desde que lhe despertou essa paixão, mulher alguma freqüenta sua corte. Reserva esse espaço para o dia em que Olivia desejar se juntar a ele.
VIOLA- Quem é ela?
CAPITÃO- Olivia? Uma moça exemplar. Filha de conde, seu irmão morreu há alguns meses, assim como o seu. Por causa disso jurou guardar luto durante sete anos.
VIOLA- Quem me dera servir a essa senhora em seu nobre exemplo.
CAPITÃO- Seria impossível, uma vez que ela nega acordos até mesmo com o Duque.
VIOLA- Que farei?... Que farei nessa terra?... (encontra uma solução) Sim! Confio no senhor, Capitão, pois já tenho provas de seu bom coração. Eu te suplico: não diga a ninguém quem sou e me ajude a por um disfarce para servir ao Duque. Serei um eunuco, e com minha música servirei a ele. Por favor, ajude-me.
O capitão reluta por alguns instantes. Enganar o seu senhor é algo que o amedronta. Porém, olhando para Viola tão necessitada, acaba por concordar.
CAPITÃO- Assim será então: um eunuco, e eu nada revelarei a ninguém. E se chamarás Cesário.
VIOLA- Obrigada... Obrigada.
Vão para o lado esquerdo do palco onde Viola é transformada em homem.

š CENA II  š
Corte do Duque

Entra Orsino.
ORSINO- Como pode Olivia rejeitar meu amor e viver com tanta tristeza pela morte do irmão? E nessa rejeição constante deixa meu peito contristando o tempo todo, sempre quando vislumbro a idéia de que um dia juntos ficaremos.
MARIA- Duque Orsino, trago a resposta de Milaide Olivia.
Orsino corre com ansiedade para pegar o recado. Agradece Olivia com um olhar amigo, depois volta-se para a platéia. Maria sai.
ORSINO (lendo)- “Mesmo o firmamento, até que passem sete anos, não verá minha face em plena luz tal qual uma enclausurada, isso para preservar o amor por um irmão falecido e perpetuar em sua triste recordação.” (olha para a platéia, orgulhoso) Quem tem um coração tão terno para pagar uma dívida de amor eterno como essa? Mesmo assim já não posso mais esperar... Tenho que encontrar uma maneira de tê-la comigo o mais rápido possível... (encontra a resposta) Cesário! Sim, esse meu bom amigo que chegou a minha corte há quase três meses, e que desde então tornou-se uma companhia amiga. (em voz alta) Onde está Cesário?
VIOLA- Estou aqui, Milorde, às suas ordens.
O Duque o abraça, muito amigo, e o leva para sentarem-se no balcão.
ORSINO- Cesário, você está a par de tudo. Já lhe abri o livro secreto até de minha alma. Por isso, meu jovem, dirige teus passos até ela. Quebra todas conveniências, diga aos rudes servos que tentarem te impedir que de seus pés brotarão raízes até ser recebido por Olivia. Faça qualquer coisa, só não volte de mãos vazias. E não te esqueças de falar de meu grande amor por ela.
VIOLA- Mas se ela está abandonada as suas dores jamais me receberá.
ORSINO- Estou certo que Olivia o receberá. Dará maior atenção a sua bela juventude.
VIOLA- Não creio em minha juventude como algo belo, Milorde.
ORSINO- Pode estar certo que sim. É uma calunia aos seus verdes anos dizer que é um homem. Os lábios de Diana não são mais suaves e rubros. Sua voz delicada é tão suave como a de uma virgem. E você se assemelha por demais a uma mulher.
 Ele ri; ela o empurra, fazendo com que o Duque pare de rir, parecendo ofendida ou temerosa. Ele retoma sua posição, agora sério.
ORSINO- É certo teres nascido sob um signo que te torna apto para este caso. Agora vá.
VIOLA- Sim, Milorde. Farei de tudo para ganhar a afeição de vossa dama.
Os dois saem, um para cada lado do palco

                                                                    š CENA III  š
Na Casa de Olivia
O primeiro encontro entre Olivia e Viola

Entra Maria e o Bobo. Maria parece preocupada. Serve uma bebida e dá ao Bobo. O Bobo está cansado.
MARIA- Agora, Bobo,  me conta onde estiveste, sem o que não abrirei os lábios um tantinho sequer para desculpar-te. Senhora Olivia vai mandar te enforcar.
BOBO- Ah... Maria... Que me importa! Quem já está mais do que enforcado no mundo, não tem medo de cores.
MARIA- Como assim?
BOBO- É que não vendo as cores, não pode ter medo delas.
MARIA- Que resposta mais chocha. Bem sei de onde vem essa história de não ter medo de cores.
BOBO- Pois então diga, minha boa Mary.
MARIA- Da guerra.
BOBO- Bem; Deus conceda sabedoria aos que já a possuem e permita que os tontos se valham de seus talentos.
MARIA- Onde já se viu... Um bobo na guerra. Bem se vê que seu humor secou. Bom, será enforcado por ter ficado tanto tempo ausente, se é que não será despedido... que no seu caso dará no mesmo.
BOBO- Não adianta tentar transparecer desprezo. Vejo em suas palavras preocupação e saudades.
Maria sede. Sorri com amizade. O Bobo senta-se, muito cansado. Bebe.
BOBO- Como vão as coisas nessa casa?
MARIA- Sua ausência só tornou as coisas ainda mais tristes. Mileide Olivia continua chorando por seu irmão. Não abandona esse triste luto.
BOBO- E Malvolio, o mordomo?
MARIA- Cada dia mais insuportável. É muito difícil ser uma subordinada de um homem como aquele.
BOBO- E Sr. Tobias, o primo de Mileide?
MARIA- Sua hospedagem parece que não acabará. Há alguns meses ele trouxe para cá um tal de Sr. André, homem muito rico que vem explorando. O pobre André espera que Olivia o ame, conforme Tobias lhe prometeu.
BOBO- Se Sr. Tobias não bebesse tanto seria o pedaço de carne mais espirituoso da Ilíria.
MARIA- Cale-se. Não fale dos seus senhores. Espere... Mileide Olivia está vindo aí. Está na hora da oração...
Maria fica ao lado do altar. O Bobo esconde-se atrás dela. Entra Olivia acompanhada por Malvolio. Está choramingando. Ajoelha-se em frente a uma imagem santa e ora. O Bobo assume os ares do seu personagem e pára atrás de Olivia.
BOBO- Olá, Mileide.
OLIVIA- Como interrompe minha prece? Saia daqui. Estou cansada de suas brincadeiras que há muito não fazem essa casa rir. Malvolio, leve esse louco daqui.
BOBO- Um momento, Malvolio. Para tanto, tomarei lições de catecismo de Mileide. Responde-me o que perguntar, e lhe deixarei em paz.
OLIVIA- Na falta de outro divertimento, ouvirei sua demonstração.
BOBO- Boa madona, por que está tão triste?
OLIVIA- Você bem sabe, bom louco. Estou triste pela morte de meu irmão.
BOBO- Suponho que sua alma está no inferno, madona.
OLIVIA- Tenho certeza de que sua alma está no céu, louco.
BOBO- Então é você que está louca, madona, pois chora por alguém que está no céu. Malvolio, leve essa louca daqui!
OLIVIA- Que pensais desse louco, Malvolio? Não se corrigirá nunca?
MALVOLIO- Sim. Mas somente quando a morte lhe alcançar. A debilidade que abate os sábios, melhora os tontos. Admira-me que Vossa Excelência encontre prazer em um idiota tão sem sal. Há poucos dias vi um bufão sem cérebro muito mais engraçado do que este que se apresenta. Olhe para ele agora: quando não lhes damos chances para brincar, fica como que amordaçado.
OLIVIA- Tendes muito amor-próprio, Malvolio. Prova as coisas com paladar estragado. (vai para o Bobo) Malvolio, Maria, podem nos deixar. Não me ofende esse louco. Um bobo a quem se dá liberdade não prejudica ninguém, por mais satírico que seja.
BOBO- Que Mercúrio te proveja de mentiras, por falares tão bem dos bobos.
Olivia sorri.
BOBO- É bom vê-la sorrir, Mileide (reverência).
Malvolio retorna.
MALVOLIO- Mileide, um jovem pajem do Duque Orsino insiste em querer falar com a sra. Já tentei de tudo, mas diz que seus pés criarão raízes no portão de sua casa.
OLIVIA- Que espécie de homem é ele?
MALVOLIO- Ora, da espécie humana.
OLIVIA- Que maneira de homem?
MALVOLIO- Das piores maneiras possíveis.
OLIVIA- Sua aparência? Quantos anos teria?
MALVOLIO- Não é bastante velho para homem, nem bastante jovem para adolescente. Flutua entre menino e homem. Parece, em suma, que acabou de ser desmamado.
OLIVIA- Estou curiosa. Fazei-o entrar, então.
Olivia parece se agitar. Ajeita-se em uma poltrona e arruma o véu sobre o rosto. O Bobo se despede com uma reverência.
Entra Malvolio; Viola no encalço.
MALVOLIO- O pajem do Duque de Orsino, Mileide.
VIOLA- Pois bem vejo que finalmente encontro a senhora da casa.
OLIVIA- Seja breve. Mais o chamei até aqui para vê-lo do que para ouvi-lo. Não tenho muito tempo.
VIOLA (tirando um texto do bolso)- Lerei o poema então.
OLIVIA- Dispenso poemas e elogios.
VIOLA- Ah! Custou-me muito trabalho para decorá-lo, e é poético.
OLIVIA- “Poético”! Já é razão de sobra para ser fingido. Pode ficar com ele.
MALVOLIO- Não quereis fazer à vela, senhor? O caminho é este.
VIOLA- Acalme seu gigante, gentil senhora. O que tenho para lhe dizer é só para seus ouvidos.
Olivia  reluta por alguns instantes.
OLIVIA- Malvolio, deixe-nos a sós.
Malvolio sai. Viola, muito insolente, senta-se ao lado de Olivia e sussurra.
VIOLA- Doce senhora... Deixe-me ver seu rosto...
OLIVIA- Quanto o Duque lhe pagará por isso?
VIOLA- Não é o Duque quem pede agora. É apenas meu desejo.
Olivia, ainda desconfiada mas cada vez mais interessada, descobre o rosto.
VIOLA- Deus, é muito mais bela do que imaginei. Vê o que realmente é. Não é o demônio como insiste em se apresentar. É lindíssima. Meu senhor a ama, e faria de sua beleza ainda mais bela, se é que é possível. Ele a ama na dor lagrimosa de quem deseja e não possui. Se eu a amasse da maneira como ele a ama e fosse rejeitado como o rejeitas, não acharia sentido algum na vida.
OLIVIA- E o que faria para me conquistar?
VIOLA- Construiria em vossa porta uma cabana e nela residiria. Escreveria versos tristes de amor não retribuído para com eles atroar a noite calma. Gritaria seu nome com insistência:  (grita) “Olivia! Olivia!”
OLIVIA- Cala-te! Chamará a atenção de todos.
VIOLA- Então, tens alguma palavra para meu amo?
OLIVIA- Diga-lhe que é-me impossível amá-lo e que não mande mais ninguém, a não ser você...para dizer como ele recebeu tudo isso.
VIOLA- Está bem, senhora. Adeus.
Viola sai. Olivia fica pensativa.
OLIVIA- Que presente inesperado do destino... Tenho receio que um grande amor me invada o olhar e o seio. Calma... Calma... Nada de pressa. Como pode o contágio vir tão depressa? E que sensação agradável é essa que aperta meu peito? (preocupa-se) Ele voltará? Talvez sim... Caso contrário eu mandarei alguém buscá-lo.
Sai.

                                                   š CENA IV  š

Sebastian não morreu

Entra Antônio e Sebastian.
ANTÔNIO- Não quereis demorar mais algum tempo, nem que eu vos acompanhe?
SEBASTIAN- Não, já abusei demais de sua hospitalidade. Desde que me socorreu naquele terrível naufrágio... onde perdi minha irmã... você tem sido muito generoso. Mas já é hora de suportar minha desgraça sem amolar ninguém.
ANTÔNIO- Deixe-me ir com você... Serei seu criado.
SEBASTIAN- Ora, Antônio, eu é que sempre serei seu criado em retribuição de tudo o que fizeste por mim.
ANTÔNIO- Ao menos diga-me para onde pretendes ir.
SEBASTIAN- Sigo para a corte do Duque Orsino, onde sei que serei bem recebido por ser filho de quem sou. Meu pai, Sebastian da Messalina, era muito amigo desse Duque.
ANTÔNIO- Sendo assim, não poderei acompanhá-lo. Possuo muitos inimigos nessa corte. Participei de uma guerra que se encerrou há pouco tempo. Estive do lado rival de Orsino. Sou, agora, procurado como inimigo. Mas tome: leve minha bolsa. Minhas economias serão suficientes para lhe manter durante o período em que viajará.
SEBASTIAN- Mesmo fazendo parte dessa corte jamais o verei como inimigo. Agora é hora de partir. Adeus meu bom amigo.
Sebastian sai.
ANTÔNIO- Que os deuses benfeitores te acompanhem. Se o perigo não fosse tão grande iria com você. (pausa) Pouco importa os perigos. De tal forma que somos amigos que o perigo será simples desporto: irei contigo ao menos até o instante em que se encontre a salvo.
Sai.

š CENA V  š
Plano contra Malvolio

Entra Sr. Tobias, Maria, André e o Bobo. Cantam, dançam e batem em panelas. Tobias está completamente bêbado. Ficam assim por alguns instantes até que entre Malvolio de roupão, meias amarelas e um castiçal. Faz-se um silêncio temeroso e constrangedor enquanto ele os observa repressivamente.
MALVOLIO- Meus senhores, estão loucos? Não tem juízo, modos ou dignidade para gritarem como bêbados na casa de minha Sra.? Será que não respeitam pessoas com dignidade?
TOBIAS- Enforque-se.
Malvolio olha severamente para Tobias. Aproxima-se.
MALVOLIO- Sr. Tobias, serei claro. Olivia, minha senhora, só o aceita nessa casa por ser primo dela, uma espécie de tio mais velho, porém não concorda com seu comportamento e certamente terá prazer em lhe dizer adeus se insistir com suas manias.
TOBIAS (levantando-se e ficando cara a cara com Malvolio)- Você é algo mais que um intendente? Só porque você é um homem virtuoso acha que não pode mais existir bolos e cervejas? Vá esfregar a corrente que trás no pescoço. (para Maria) Um cântaro de vinho, Maria.
MALVOLIO- Senhorita Maria, se preza a estima e minha senhora mais que seu desprezo, não dê meios para continuar a desordem.
Maria encara o mordomo por alguns instantes, como se ganhasse forças para fazer o que fará. Ela vai até o balcão  onde está o cântaro e alguns cálices que começa a servir.
MALVOLIO- Mileide Olivia saberá de tudo.
Malvolio sai. Todos começam a rir. Maria e Tobias sentam-se para tramar.
MARIA- Não se preocupem com Mileide Olivia. Desde que o pajem do Duque esteve aqui ela parece estar noutro mundo. Quanto a Malvolio, deixe-o comigo. Darei um basta nesse seu puritanismo.
TOBIAS- Sinto o cheiro de tramóia. Conte-me, o que fará?
ANDRÉ- Isso... Conte, conte...
MARIA- Há anos agüento Malvolio nessa casa. Conheço muito bem esse rival. Por isso lhe digo: a vingança contra ele deve ser proveito de seu ponto fraco. Malvolio se acredita cheio de qualidades, muito virtuoso, e por isso acha que todas as mulheres se apaixonam por ele. Pensando nisso, deixarei no caminho de Malvolio uma carta de amor onde ele se identifique como objeto amado. A autoria da carta será atribuída a Mileide Olivia, uma vez que sei imitar sua letra com perfeição. Será enganado como há muito ninguém o é nessa terra.
TOBIAS- É um plano perfeito.
ANDRÉ- Isso mesmo... muito perfeito...
MARIA- Por hoje é só. Agora nos resta dormir e...e sonhar.
Maria sai.
BOBO- É uma boa mulher.
TOBIAS- É uma galga de boa raça que me adora.
ANDRÉ- Eu já tive alguém que me adorasse...
TOBIAS- Falando nisso, o que é preciso para que mandes buscar mais dinheiro?
ANDRÉ- Se eu não obtiver a mão de vossa sobrinha, ficarei em situação difícil. Você mesmo me disse que eu não precisava me preocupar com esses assuntos, que logo Olivia me aceitaria. Agora meu dinheiro está acabando com essas noitadas que você vem promovendo e...
TOBIAS- Manda buscar o dinheiro, cavaleiro, eu garanto que em breve Olivia o aceitará.
BOBO- Venha, vamos beber algo. É tarde demais para dormirmos.
Saem.

š CENA VI  š

Jogo

Entra Orsino e Viola. Jogarão xadrez (ou outro jogo) durante o diálogo.
ORSINO- Então Olivia não mandou nenhum recado... Não entendo, não entendo... E você, Cesário, já sabe tanto de minha vida e eu pouco sei de seu passado. Aposto a vida como teus olhos já se apaixonaram, assim como os meus, não é verdade?
VIOLA- Sim...
ORSINO- Vamos, conte-me, como era essa senhora?
VIOLA- De vossa aparência.
ORSINO- Então não te convém. E qual a idade?
VIOLA- Mais ou menos a sua.
ORSINO- Pelo céu, muito velha! A mulher deve sempre escolher o marido mais idoso do que ela; desse modo se combinam melhor e ela conserva o predomínio no coração do esposo. Porque embora, jovem, nos elogiemos a nós mesmos, nossas inclinações são menos firmes, mais variáveis, veementes e propensas a se aplacarem do que as das mulheres.
VIOLA- É o que penso, milorde.
ORSINO- Pois então que tua amada seja mais moça do que tu, ou terás afeição por pouco tempo. As mulheres são como as rosas: inefável é a floração; a ruína inevitável... e rápida.
VIOLA- Morrem quando estão no auge da beleza.
Pausa. O Duque parece lembrar de Olivia.
ORSINO- Estou farto desse lugar, desse jogo... Venha, vamos ver o que os camponeses estão fazendo agora...
Os dois saem.
š VII  š
Cena da música

Entram os camponeses e o Bobo. Posicionam-se. Entra Orsino e Viola, interrompem o dedilhar do violão.
ORSINO- Vamos... A cantiga da última noite. Aquela velha e simples. Toque-a para que Cesário a conheça.
Enquanto a música se desenrola Orsino se aproxima de Viola, passando os braços pelos seus ombros. Ao longo da música prepararão um beijo que não se realizará.
BOBO-

Vem, vem logo.
Vem logo, morte.
E num bosque
vem me sepultar.

Foge, foge
Foge meu amor.
Bela e cruel donzela
me assassinou.

Nem um amigo
Um só amigo (acolha)
meu pobre corpo
que será esquecido.

Para evitar milhares
milhares de soluços
Oh! Meu corpo atirai
onde triste amante
não me ache o túmulo

para ali chorar...
        
ORSINO- Tome pelo seu trabalho.
BOBO- Cantar para mim é um prazer.
ORSINO- Pagarei, pois, o seu prazer.
BOBO- O prazer será pago... cedo ou tarde.
Bobo sai, levando consigo todos os outros.
ORSINO- Uma vez mais, Cesário, retorne à casa dessa soberana cruel.
VIOLA- E se ela não puder amá-lo?
ORSINO- Não aceito essa resposta.

VIOLA- Deve aceitá-la. Suponhamos que uma jovem- é possível que exista- lhe amasse da mesma maneira que ama a Condessa Olivia. Seu coração ocupado não poderia pertencer a ela. E o que ela deveria fazer? Não deveria aceitar sua rejeição e resguardar-se nesse fiel amor?
ORSINO- Mulher alguma suportaria os golpes de uma paixão como a minha.
VIOLA- Não diga isso. Eu sei aonde chegam as mulheres pelos homens. Tinha uma irmã que amava a um homem tanto quanto eu... se fosse uma mulher... o amaria.
ORSINO- E qual é a história dela?
VIOLA- Muito simples, Milorde. Jamais revelou seu amor. Mas deixou seu segredo roer-lhe as cores da face como uma doença o faria. E amargada por essa melancolia ficou como a estátua da resignação sorrindo à dor. Não é isto... o verdadeiro amor? Engana-se em acreditar amar tanto. Nós, os homens, somos bons em votos, porém mais pobres em sentimentos.
ORSINO- Mas sua irmã morreu por esse amor?
VIOLA- Sou todas as filhas de meu pai e também todos os irmãos. Mesmo assim nada sei. (pausa) Mas não se preocupe, Milorde, farei o possível para cortejar Olivia. Eu prometo.

š CENA VIII š

Malvolio cai na armadilha

Malvolio caminha pelo palco. Seu ar é de reflexão.  No chão está um envelope.
BOBO- Então Malvolio estava prestes a ser fisgado pelos conspiradores. Maria deixara a carta de amor em uma das trilhas do jardim que ele passava todos os dias. Ia ele pensando o quanto era belo, o quanto as mulheres o amavam. E sonhava- como há muito tempo fazia- com o dia em que viesse a se tornar o Conde Malvolio, ao se casar com Olivia, e se cobraria de todos aqueles que julgava terem corrompido a moral ou terem lhe agredido.   Os primeiros que planejava atacar seria Sr. Tobias e Maria. Tinha muito ressentimento pelos dois.
Malvolio encontra o envelope.
MALVOLIO- O que é isso? (põe o óculos) Por minha vida! A letra é da senhora Olivia! O que está escrito?... “Ao amado desconhecido, esta carta e meus votos ardentes”. Por Júpiter... para quem será? Diz mais:
“Sei que posso mandar em quem adoro
mas o silêncio, qual faca de Lucrécia,
o triste peito me traspassa
 sem nunca dessangrá-lo.
 M.O.A.I. me mata, e eu a adorá-lo”.
(questiona) “M.O.A.I.”, quem será? Alguém que o nome começa com “M”... Malvolio! Sim, Mavolio! As outras letras estão também em meu nome. (olha em volta, abre o envelope). Mas o que vejo, segue-se agora a prosa:
“Se isto chegar à tuas mãos, reflete. Minha estrela me coloca em plano superior ao teu; mas não receies a grandeza: uns nascem grandes, outros adquirem grandeza, e a outros a grandeza vem de encontro. Teu Destino te estende as mãos; e para que te acostumes com o que tens de vir a ser, despoja-te de teu invólucro humilde e apresenta-te com aparência renovada. Lembra-te quem elogiou suas meias amarelas e que desejava ver-te  com ligas cruzadas. Repito: lembra-te! Avante, pois! Se o quiseres, obterás tudo. Caso contrário, continuarei a ver em ti apenas o intendente, pessoa do mesmo nível dos criados e indigna de tocar nos dedos da Fortuna. Adeus.
A feliz infortunada”
Há ainda uma observação:
“É impossível que não adivinhes quem sou eu. Se corresponderes ao meu amor, que o teu sorriso o revele, esse sorriso que te vai tão bem! Por isso, queridinho, não deixeis de sorrir, sempre que estiveres perto de mim, é só o que eu te peço.”
Pois sim, Júpiter olhou para mim. É chegada minha hora e de meus inimigos. Todos louvarão Conde Malvolio. Hei de sorrir; sim, meu amor, farei tudo o que desejares (sorri com grande dificuldade).
Sai muito feliz.
š CENA IX  š

Malvolio tenta seduzir Olivia

Entra Olivia com alguns vestidos na mão.
OLIVIA- Preciso aparentar alegria através da cor para receber Cesário. Em breve deverá estar aqui. Mandei o bobo buscá-lo assim que iniciou a tarde. Ou, estou tão nervosa e infantil...
Escutam-se batidas na porta.
OLIVIA- Que entre.
Surge Malvolio sorrindo, de roupão.
MALVOLIO- Desejo lhe falar, senhora.
OLIVIA- O que deseja, Malvolio?
MALVOLIO- Suave, sra...
OLIVIA- Está sorrindo?! Sente-se bem?
MALVOLIO- Poderia não estar. Estas ligas cruzadas ocasionam uma certa obstrução do sangue. Mas que importa, se agradam aos olhos de Milaide. (abre o roupão mostrando as meias com ligas) A carta alcançou seu destino, e serão cumpridas suas instruções.
Malvolio ajoelha-se na frente de Olivia na intenção de beijá-la. Ela encosta sua mão na testa dele.
OLIVIA- Quer ir para o leito, Malvolio?
MALVOLIO- Sim... Meu docinho... e irei com você.
OLIVIA- Deus o ampare! Está louco, homem? Maria! Maria!
Entra Maria e Tobias.
MARIA- Mas o que é isso? Por que se apresenta perante Milaide dessa forma ridícula?
Mavolio só faz um sinal para que eles partam. Continua a cortejar Olivia, aos seus pés.
MAVÓLIO- “Uns nascem grandes, outros adquirem a grandeza e, a outros, a grandeza vem ao encontro.”
OLIVIA- Ou, isso é loucura de verão!
VOZ- Milaide, o pajem do Duque Orsino está aqui.
OLIVIA- Já chegou? Que prestativo esse bobo. Tobias, cuide desse homem... Parece estar com o demônio.
Olivia sai. Malvolio levanta-se, olha para os dois com arrogância e soberania.
TOBIAS- Homem, você tem que lutar contra o demônio.
Malvolio o ignora.
MARIA- Tenha cuidado Sr. Tobias. Quando se fala no demônio ele fica irritado.
TOBIAS- Acho que sua urina deve ser examinada.
MARIA- Será feito amanhã cedo.
MALVOLIO- Calem-se! São seres superficiais. Não sou da sua laia. Logo saberão de mais alguma coisa.
Malvolio sai. Maria e Tobias riem.
TOBIAS- Será possível? Vamos encerrá-lo em um quarto escuro e amarrá-lo.
MARIA- (verdadeiramente preocupada) Mas assim acabaremos por enlouquecê-lo de verdade.
TOBIAS- Minha sobrinha já se convenceu de que ele está louco. Podemos continuar, até que seja conveniente ter piedade desse maldito Malvolio.
Os dois saem.

š CENA X  š
Segundo encontro entre Olivia e Viola

Entra Olivia e Viola. Olivia está ansiosa e muito envergonhada. Viola está abatida e desanimada. Olivia convida Viola para sentar.
OLIVIA- Qual o seu nome?
VIOLA- Cesário, sra., seu criado, linda princesa.
OLIVIA- Não, não, você é servidor do duque, não meu.
VIOLA- O Duque é vosso criado. Assim, o criado dele há de ser o seu também.
OLIVIA- Não me preocupo com ele, mas quisera que sua memória nada contivesse, a ter de ser eu o objeto de seus sonhos.
VIOLA- Vim despertar, senhora, a favor dele os vossos pensamentos.
OLIVIA- Pare... Não falemos mais nele... Se puderes falar de outra coisa será de bom grado escutá-lo.
VIOLA- Mas sra...
OLIVIA- Por favor, um momento. Desde que esteve aqui... algum encantamento me atingiu, e deste então não consigo te esquecer. São meus sentimentos que borbulham. Por isso estou curiosa para saber... Responda-me, o que sente por mim?
VIOLA- Compaixão, Mileide.
OLIVIA- O que já é um passo para o amor.
VIOLA- Não, não é. É uma prova vulgar de que nem sempre se odeia os inimigos.
OLIVIA- Mas o que pensa de mim?
VIOLA- Penso que não és o que pensa ser.
OLIVIA- Penso o mesmo sobre você.
VIOLA- Pois pensa certo. Não sou quem sou.
OLIVIA- Ou, como assenta bem o desprezo em teus lábios...
Viola, como se achasse tudo um absurdo, levanta-se para partir.
OLIVIA- Espere. Suplico que fique. Deixe-me provar que posso me tornar a senhora de teu coração...
VIOLA- Não, Milaide, nenhuma mulher jamais se tornará senhora de meu coração. A não ser eu.
OLIVIA- Não, não diga isso. Tudo o que você desejasse eu te daria e...
VIOLA- Só peço uma coisa: seu verdadeiro amor para meu amo.
OLIVIA- Como posso oferecer o que já entreguei a você.
VIOLA- Eu a absolvo!
Viola sai. Nisso entra Sr. Tobias, Maria e André. André pára atrás de Olivia, sorrindo amavelmente e oferecendo uma flor.
OLIVIA- Não vá! Volte aqui! Ah... Um diabo como você levaria meu coração para o inferno. (vira-se e depara-se com André) Argh!
Olivia sai. André fica indignado.
ANDRÉ- Agora chega. Não fico um só minuto a mais. Sua sobrinha dá mais atenção ao pajem do Duque do que para mim.
Sai e volta com duas malas indo para o outro lado do palco. Tudo muito rápido.
TOBIAS- Mas você não percebe... Ela sabia que você estava vendo tudo... Queria despertar seu ciúmes.
André pára, fica pensativo,  parece acreditar.
MARIA- Ela se desmanchava em atenção com esse moço para inflamar seu coração.Você deveria, sim, ter ido até o rapazola, tapado sua boca e lhe dito umas verdades. Era isso que Olivia esperava de vós.
ANDRÉ- Vocês acham mesmo?
TOBIAS- Tenho certeza.
MARIA- Se me permitem, não há melhor maneira para conquistar o coração de uma laide senão pela valentia. Seria muito oportuno ir até o pajem e desafiá-lo para um duelo.
TOBIAS- Muito bem Maria. ( de soslaio) Que Deus nos faça sempre amigos. (para André) Pois vá, homem, prepare-se para o duelo onde desafiará o efebo.
ANDRÉ- Assim farei.
André sai. Tobias respira aliviado.
MARIA- Este manequim lhe sai muito caro, sr. Tobias.
TOBIAS- Eu é que lhe tenho saído caro, senhorita Maria. Já deve ter gastado comigo umas duas mil libras, mais ou menos.
MARIA- Uma coisa me ocorre agora: não entregará a carta ao jovem pajem, não é?
TOBIAS- Se eu não fizer isso, não confio mais em mim.
MARIA- Sr. Tobias, pense bem. Está agora Malvolio trancado num quarto escuro, amarrado como você desejou. Parece louco de verdade. E ainda pretendes provocar um duelo que pode acabar em morte...
TOBIAS- Não acredito que isto esteja vindo de ti, Maria. Vamos logo procurar o pajem... Isso está ficando divertido.
Saem.

                                                    š CENA XI  š
Duelo de Viola e André

Entra Viola.
VIOLA- Isso é um absurdo! Como homem, minha condição é desesperadora perante o Duque. Como mulher, ai de mim, quantos suspiros não soltará a pobre Olivia por minha causa...
Entra Maria e Sr. Tobias.
TOBIAS- Deus o ampare, homem.
VIOLA- Ao sr. também...
MARIA- Tome uma espada. Prepare-se para o duelo.
VIOLA- Duelo?
MARIA- Ignoro a natureza das ofensas que lhe fizeste. Mas é certo que o teu inimigo, cheio de despeito, ávido de sangue, te espera logo ali em frente. Vê: é um verdadeiro demônio, um valente cavaleiro.
Entra André com muito medo. Fica quase que escondido atrás da cortina, por vezes espia.
VIOLA- Deve haver algum engano... pois eu não o conheço e...
MARIA- Posso assegurá-lo do contrário.
VIOLA- Tudo isso é tão descortês quanto estranho. Pergunte a esse cavaleiro em que o ofendi... De certo há alguma maneira de me retratar.
TOBIAS- Está bem. Maria, fique com esse cavaleiro até que eu volte.
Tobias vai até André.
TOBIAS- Não sei não, não sei...
ANDRÉ- Como ele recebeu as novas?
TOBIAS- Está furioso, sedento por esse duelo. Bem se vê que é um dos homens mais valentes dessa terra.
ANDRÉ- Pois que o leve a breca! Se eu tivesse sabido que era tão bom esgrimista e valente desse jeito, preferira vê-lo nas unhas do demo a ter-lhe enviado o desafio; ele que deixe as coisas como estão que lhe darei de presente o meu belo cavalo.
TOBIAS- Uhn... Espere aqui, vou apresentar essa proposta.
Maria e Tobias encontram-se no meio do palco. Muito sérios.
MARIA- Ele está pensando que André é um valentão.
TOBIAS- André pensa o mesmo de Cesário.
Maria vai para André; Tobias para Viola.
MARIA E TOBIAS- Não há outro remédio. O duelo há de sair.
Os duelistas são empurrados para o meio do palco. Param um na frente do outro. As armas lhes são entregues. Rufa o tambor até Tobias dar o sinal para que a luta comece. Os duelistas ficam como que paralisados pelo medo  por alguns instantes. Viola percebe a fraqueza do inimigo e dá o empurrão inicial. Entra Antônio.
ANTÔNIO- Alto lá! (a luta pára) Se este moço tem culpa nesse caso, eu me aposso dela.
MARIA- Mas quem sois?
ANTÔNIO- Alguém que por amizade a esse jovem doaria sua própria vida. (pega a espada de Viola)
TOBIAS- Se é um compra briga (pega a espada de André), eu o sou também.
Inicia o duelo.
MARIA- Guardem as armas... Os guardas vêm aí...
Entram dois oficiais com cavalos de pau.
PRIMEIRO OFICIAL- É este o sujeito. Cumpre teu dever.
SEGUNDO OFICIAL- Antônio, eu te detenho por mandado do Conde Orsino, por ter conspirado contra ele durante a guerra e atacado os seus navios.
Os oficiais vão até ele e o algemam.
ANTÔNIO (para Viola)- E agora o que fareis, se a situação me força a reclamar a bolsa?
OFICIAL- Vamos logo.
ANTÔNIO- Ao menos parte do dinheiro...
VIOLA- Dinheiro? Que dinheiro? Pela bondade que revelastes ao me favor... eu te darei o que tenho nos bolsos... Mas não é muito.
ANTÔNIO- Está querendo dizer que não me conhece? Seu traidor...
OFICIAL- Agora vamos, depressa!
ANTÔNIO- Um momento! Eu tirei esse moço das mandíbulas da morte, lhe dei socorro com grande santidade de amor e dediquei à sua imagem verdadeira devoção. E agora, por puro medo, age como se não me conhecesse. Só agora percebo que a única coisa que tem de belo são os traços do rosto, nada mais.
OFICIAL- E o que eu tenho a ver com isso? Vamos, o tempo corre. Vamos deixá-lo no estábulo da Condessa Olivia até que o Duque nos encontre.
Levam Antônio.
VIOLA- Tenho que pedir para que Orsino intervenha por esse pobre louco.
Viola sai.
ANDRÉ- Ah... Então o covarde foge.
TOBIAS- Bem sabemos para os braços de quem ele correrá.
ANDRÉ- Sim, nós sabemos. Vamos atrás dele.
Tobias e André saem. Maria reluta. Logo os segue.

                                                                š CENA XII  š
A chegada de Sabastian

BOBO- Enquanto a enganação perturbava os corações, a solução se encontrava próxima dos palácios enganados. Sebastian, o irmão de Viola que se pensava morto mas muito vivo estava já havia alcançado a Ilíria. No mesmo dia em que chegou na ilha, eu havia sido incumbido por Mileide para chamar Cesário, e como bobo que sou, fui vitimado pela enganação que nunca me enganou.
SEBASTIAN- Deixe-me em paz, louco.
BOBO- Não, não, Mileide pediu para que eu o buscasse, Cesário.
SEBASTIAN- Por que me chamas de Cesário? Meu nome é Sebastian.
BOBO- Sim, sim, Sebastian, e você não me conhece, nem esse nariz é meu nariz. Tudo que é não é. Agora pode fazer a gentileza de continuar a me acompanhar até a casa de Mileide.
SEBASTIAN- Saiba que eu só aceitei seguí-lo para que me deixasse em paz.
BOBO- É o que todos queremos. Agora espere um instante aqui. Chamarei Mileide Olivia.
O Bobo não chega a sair. Sebastian aguarda por alguns instantes.
Entra André seguido de Tobias e Maria.
ANDRÉ- Vejo que o reencontro. (dá-lhe uma bofetada)
SEBASTIAN- Toma tu também esta, e esta, e mais esta...
Tobias intervém no meio dos dois. Detém Sebastian.
ANDRÉ (muito tonto)- Não, deixai-o comigo. Esse covarde já fugiu de mim uma vez e fugirá novamente. Solte-o. Vamos, solte-o.
TOBIAS- Parai, senhor!
SEBASTIAN- Tire as mãos de mim!
TOBIAS- Veja lá como fala...
BOBO- Vou chamar minha senhora...
Bobo sai. Sebastian liberta-se. Pega uma espada e aponta para Tobias, desafiando-o.
TOBIAS- Estou vendo que será necessário lhe dar uma lição com seu sangue.
Tobias se arma. Inicia-se outro duelo.
Entra Olivia.
OLIVIA- Parem com isso! Para trás, Tobias! Há de ser sempre assim, rústico e estúpido? Sai daqui você e todos esses que corrompe.
Eles obedecem.
OLIVIA- Você voltou (abraça-o). Venha, entre em minha casa para que possamos desfrutar do conforto e de nossas companhias. Venha! Venha!
Sebastian assusta-se. Pede um instante. Volta-se para a platéia.
SEBASTIAN- O que é isso? Qual a direção da corrente? Ou estou louco, ou tudo isso é um sonho. Se for um sonho... quero dormir para sempre.
OLIVIA- Venha, por favor, deixe-se guiar por mim.
Sebastian reflete mais um pouco.
SEBASTIAN- Senhora... Deixarei (abre os braços).
Ela o abraça.
OLIVIA- Oh! Enfim me aceitou. (beijo) Espere só um instante aqui. (sai)
SEBASTIAN (respirando fundo)- Serão todos loucos nessa terra? Será louca essa senhora?
Olivia retorna com um véu.
OLIVIA- Espero que não ache isso precipitado. Como prova de suas boas intenções faremos votos de amor eterno perante um religioso. Concordas?
SEBASTIAN (engasgando-se)- Provarei minhas intenções.
Os dois saem.

šCENA XIII š
liberdade para Malvolio

Malvolio está preso na caixa coberta por um pano (por dentro da caixa pode-se esconder falas, bem como na lateral da caixa). Ao redor, Maria, Tobias e o Bobo. Maria não parece satisfeita, penalizada por Malvolio.
TOBIAS- Ele está aqui... Fica gritando pedindo para que o tirem dali de dentro, que não está louco e coisas assim.
Bobo, com um ar misterioso, aproxima-se da prisão e dá três batidas.
MALVOLIO- Quem está batendo.
BOBO- Sr. Topas, o Cura que vem visitar Malvolio, o lunático.
MALVOLIO- Por favor, bondoso sr. Topas, busque minha senhora...
BOBO- Para trás, demônio, só sabe falar de mulheres.
MALVOLIO- Não estou louco, bondoso padre. Acredite. Tirai a prova perguntando qualquer coisa séria.
BOBO- Uhn... Qual é a opinião de Pitágoras a respeito das aves silvestres?
MALVOLIO- Que a alma do nosso avô pode se alojar num pássaro.
BOBO- E o que pensais sobre isso?
MALVOLIO- Faço da alma uma idéia muito nobre para poder aceitar semelhante doutrina.
BOBO- Então continua nas trevas. Para que eu reconheça que te encontras no juízo perfeito, é preciso que aceites a opinião de Pitágoras e reveles medo de matar uma galinhola, para não desalojares a alma de tua avó. Pecador! (volta-se para Tobias e estende-lhe a mão)
 TOBIAS- Acho que já é hora de acabar com essa brincadeira, pois tenho dado tantos desgostos à minha sobrinha que seria imprudência continuar. (paga o Bobo) Liberte o miserável.
Tobias caminha em direção de Maria. Olha-a bem nos olhos. Segura-a firmemente e lhe dá um beijo.
TOBIAS- Venha até meu quarto.
Tobias sai. Maria olha para o Bobo com muita tristeza. O Bobo faz um sinal de consentimento. Maria sai. Bobo começa a cantarolar.
MALVOLIO- Bobo! Bobo! Venha até aqui...
BOBO- Quem me chama?
MALVOLIO- Sou eu, querido bobo, Malvolio.
BOBO- Ah... Malvolio, mas como foi que você perdeu seus sentidos?
MALVOLIO- Gozo tão bem de meus sentidos quanto o sr, quanto qualquer homem.
BOBO- Tanto quanto eu? Então eu acho que estás louco de verdade.
MALVOLIO- Se não me tirarem daqui logo acabarei ficando. Já enviaram-me até mesmo o cura.
BOBO- Cuidado com o que diz, Malvolio, o cura ainda não foi embora.
MALVOLIO- Sr. Topas!
BOBO- Não lhe responda, bondoso padre- Quem, eu, senhor? Eu não- Deus vos acompanha, sr. Topas. Amém, amém. Pois não senhor, pois não. Adeus.
MALVOLIO- Bobo! Bobo!
BOBO- Pois não, sr.
MALVOLIO- Por favor, traga uma vela, tinta e papel para que eu escreva para Mileide... para que me tirem daqui... Por favor.
BOBO- Está bem, irei ajudá-lo. Mas responda-me: estás fingindo mesmo ou realmente enlouqueceu?
MALVOLIO- Podes crer-me: estou falando a verdade.
BOBO- (ameaçador) Jamais acreditarei num louco até examinar seu cérebro!
Bobo reconstitui-se. Depois sai cantarolando.
š CENA XIV  š
Epílogo

BOBO- Enquanto isso, o Duque decidira encontrar-se com Ladi Olivia. Já não suportava mais a espera, precisava tomar uma atitude. Acompanhado de Cesário, entrou no terreno de Ladi Olivia e a encontrou.
Entra Orsino e Viola de um lado, do outro Antônio e os dois oficiais.
VIOLA- É este o homem, sr, que me salvou.
DUQUE-  Ah... eu o reconheço. É o pirata Antônio que conspirou contra mim na guerra.
OFICIAL- E o que mais o sr. quiser: já fizemos ele confessar mais da metade dos crimes ocorridos nessa ilha.
OFICIAL- Entre os resolvidos e não resolvidos.
ANTÔNIO- Duque Orsino, foi feitiço que me trouxe aqui. Esse mancebo ingrato me deve a vida. Por puro amor me expus nessa terra, só para servi-lo. Quando me prenderam, num só instante, pareceu ter me esquecido.
VIOLA- Como é possível?
DUQUE- Espere! Desde quando ele chegou à cidade?
ANTÔNIO- Chegou hoje. E viveu comigo durante três meses.
DUQUE- Eis a Condessa: é como se o céu tivesse baixado à terra. Enquanto a ti, amigo, estás louco. Este jovem se encontra a meu serviço há três meses, mas disso falaremos depois. (volta-se para Olivia que entra com Maria) Graciosa Olivia...
OLIVIA- A velha ária de sempre. Saiba que ela é tão desagradável para meus ouvidos quanto uivos após música.
ORSINO- Sempre tão cruel...
OLIVIA- Sempre tão constante.
ORSINO- Pois sim, para mim basta. O que sinto por ti de repente tornou-se a mágoa mais profunda, filha do desprezo. Nunca reconheceu minha devoção. E o que lhe darei em troca é levar para longe de ti a quem ama, e a quem tanto aprecio.
Orsino pega a mão de Cesário e começa a levá-lo para a saída do lado direito.
VIOLA- E eu, feliz, sofrerei mil mortes para assegurar seu repouso.
OLIVIA- Cesário! Respeite os votos que foram dados a mim.
O Duque pára. Volta-se para Olivia.
VIOLA- O que diz, Mileide?
OLIVIA- Como o que digo? Mantenha sua promessa. O que há contigo?
VIOLA- Nunca fiz votos nenhum com Mileide.
OLIVIA- Oh, que traição! Pois tenho todos esses gentis[1] ao meu lado que serviram de testemunha do juramento dado em minha capela, na presença de um sacerdote. Prometeu amor eterno e se tornou meu marido.
Os outros confirmam. Viola tenta negar, mas as palavras do Duque impedem.
ORSINO- Animalzinho dissimulado. Que será de ti quando o tempo tornar grisalhos seus cabelos. Adeus, tome-a por esposa. Mas dirija seus passos aonde não tenhamos a sorte de nos encontrar.
VIOLA- Mas senhor, eu juro...
ANDRÉ- (do fundo) Pelo amor de Deus, um cirurgião! (entra com um pano coberto de sangue na testa) E outro para sr. Tobias. Rápido!
OLIVIA- Mas o que aconteceu?
ANDRÉ- Ele me abriu uma brecha na cabeça e deixou a de sr. Tobias que é só sangue. Pelo amor de Deus, socorrei-me! Daria quarenta libras para estar agora em casa.
OLIVIA- Mas quem fez isso, sr. André?
ANDRÉ- O pajem do Duque, um tal de Cesário. Pensávamos que ele fosse medroso, um covarde, mas é o diabo em pessoa.
DUQUE- Meu pajem Cesário?
ANDRÉ- Por tudo quanto há, ali está ele! Abristes-me a cabeça por motivo fútil!
VIOLA- Mas eu não te fiz nada. Foi você que sem motivo algum me desafiou para um duelo.
ANDRÉ- Se a cabeça só sangra quando ferida, foi você que me ferio. Mas pelo que vejo isso não te importa. Pois veja: aí vem sr. Tobias.
Entra Tobias carregado pelo Bobo.
DUQUE- Então cavaleiro, que foi isso?
TOBIAS- É muito simples. Ele me feriu, nada mais. Bobo, vá chamar o cirurgião.
BOBO- Está bêbado, sr. Tobias, há mais de uma hora.
TOBIAS- Não há nada que eu odeie mais do que um canalha embriagado.
OLIVIA- (para André) Levai-o daqui... e cuide dele.
ANDRÉ (para Tobias)- Vou ajudá-lo... Quer dizer... Cuidarei de nós dois...
TOBIAS- Querei ajudar-me? Cabeça de asno, velhaco, parvo de cara amassada!
Tobias sai. André fica desmoralizado, muito triste. Depois sai. Viola, confusa e penalizada, segue o coitado até a entrada da cortina e ali fica, olhando para dentro.
Entra Sebastian.
SEBASTIAN- Sra., meu amor (abraça-a), sinto ter ferido seu parente. Olha-me estranhamente? Pois percebo que a ofendi. Mas eu teria agido dessa forma com um irmão. (vê Antônio: vai até ele) Antônio, meu amigo, como é bom reencontrá-lo... Mas o que aconteceu contigo? Qual o motivo dessas algemas?
ANTÔNIO- Sebastian? É você? Como é possível se dividir em dois?
OFICIAL (de soslaio para o outro)-
OLIVIA- Mas você está aqui... e ali... e eu não estou entendendo nada...
Os irmão se olham assombrados.
Bobo junta-se a Maria.
SEBASTIAN- Nunca tive um irmão. Tinha uma irmã que o furor das ondas devorou. Que parentesco há entre nós? De onde é? Seu nome? Sua família?
VIOLA- Sou de Messalina. Meu pai se chamava Sebastian, assim como meu irmão.
SEBASTIAN- Se fosse uma mulher, como tudo indica, deixaria minhas lágrimas banhar seu rosto e lhe diria “três vezes bem-vinda minha Viola naufragada”.
VIOLA- Se nada se opõe á nossa felicidade... exceto essas roupas masculinas usurpadas, o que poderíamos esperar mais do destino? Como poderia me apresentar a não ser dizendo que meu nome é Viola.
Os dois abraçam-se. Choro de Maria, Olivia, Bobo e os oficiais. Orsino seca Viola.
SEBASTIAN (para Olivia)- Assim sendo, senhora, cometeu um engano. Mas o destino tratou de ajeitar as coisas: ao invés de desposar uma virgem, casa-se com um homem até então virgem de coração.
Olivia sorri e abraça-o. Choro Maria, Bobo e os oficiais.
ORSINO- Se isto for verdadeiro, como realmente parece ser, tomarei parte nesse feliz naufrágio (vai até Viola). Garoto, disse que jamais amaria mulher alguma tanto quanto a mim.
VIOLA- Tudo o que disse posso jurá-lo.
ORSINO- Para pagar serviço tão acima da debilidade de seu sexo, aqui está minha mão. A partir de hoje será a senhora do seu senhor. E deixe-me vê-la em trajes femininos.
Abraçam-se. Choro de todos. Logo os irmãos se encontram e saem. Os oficiais saem levando Antônio. Entra Malvolio todo sujo, o que faz Maria sair correndo apoiada pelo Bobo.
OLIVIA (indo para Malvolio)- Deus, o que lhe aconteceu?
MALVOLIO (para Olivia, entregando-lhe a carta)- Por que me ultrajou? Por que implorou que sorrisse e usasse ligas em meias amarelas? Diga-me, por que?
OLIVIA- Oh, Malvolio. Essa não é minha letra. É sim de Maria.
BOBO- Sra, confesso voluntariamente. Foi tudo um plano de Maria para vingar-se de Malvolio em nome de Sr. Tobias. Em troca, Tobias casou-se com ela. (para Malvolio) É assim que a reviravolta do tempo traz consigo os castigos.
Bobo sai.
MALVOLIO (saindo)- Eu me vingarei dessa corja...
VOZ- Não percam: Noite de Reis II, a vingança de Malvolio.
OLIVIA- Pobre Malvolio. O que fizeram a ele foi excessivo.
ORSINO- Não se abata. Esperaremos apenas o momento certo para podermos celebrar a união desses quatro corações que se encontram.

Piadinha.

Saem.

BOBO (marionete)-
- Vou lhes contar uma história
Ouçam com atenção
oli-olé
Ao vento, a chuva
Triste ou alegre
seja como for
pois a chuva caia
todos os dias.

Mas agora não importa
A história acabou.
oli-olé
Ao vento, a chuva.
Triste ou alegre
seja lá como for
pois eu os farei
rir todos os dias.

Todos os dias.


Música. Olivia, Sebastian, Orsino e Viola (já em trajes femininos) entram dançando. É hora dos aplausos.

š  fim š


[1] Maria + platéia.

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